Comunicação Não Violenta é o básico


Comunicação Não Violenta é, seguramente, a premissa mais importante para garantia de uma educação que se pretenda humanista, integradora e de excelência. Vou usar uma metáfora afetiva, futebolística, para tentar me fazer entender.

Para quem não sabe sou torcedor do Fortaleza. Quando o Rogério Ceni, ao final de 2017, chegou para ser técnico, iniciou um processo de mudança de patamar do Tricolor do Pici, recém-chegado à Série B. Ali, muita gente imaginou que Ceni chegaria falando de tática, revolucionando os treinamentos, intensificando a preparação física. Não. Eu acompanhei como torcedor. E sei. Ele começou pelo isopor com gelo, água e isotônico para os atletas, todos os dias ao lado do campo antes de começar o treino. Você pode estranhar, "Oxe, mas como assim?! É isso mesmo.

Após 8 anos na série C, o Fortaleza era um clube estruturalmente defasado, futebolisticamente sofrível e mentalmente limitado. Ceni começou pelo mais básico: implementar rotinas para gerar processos. Processos que precisavam ser percebidos e construídos coletivamente. Quando Ceni foi dar seu primeiro treino, notou que os atletas já estavam batendo bola, mas não havia ali ao lado do campo a básica caixa térmica com água, gelo e isotônico. Falou com o staff para providenciar que todos os dias a caixa térmica estivesse ao lado do campo, preparada e disponível, sempre 5 minutos antes do treino. "Combinado?". "- Combinado, mister".

No dia seguinte a caixa estava lá. Dois dias depois também. Passada a primeira semana, tudo certo. No meio da segunda semana, porém, o treino estava prestes a começar e a caixa térmica não estava ali, ao lado do campo, conforme combinado. Ceni não começou o treino, chamou o staff e cobrou a caixa térmica, sem escândalo, só fazendo notar que essa falha atrasaria o treino. De fato, só começou a dar treino depois que a caixa térmica chegou. Houve um estranhamento, afinal de contas, a caixa já “estava chegando”. Pois é. O gesto de Ceni provocou uma mudança de percepção simples, mas potente. Se o Fortaleza E.C. quisesse mudar de patamar seria essencial que todos, do roupeiro ao presidente, confluíssem no mesmo sentido e direção, cada um dando o melhor de si naquilo que lhe fosse devido. Os resultados no campo de jogo só apareceriam com processos bem estabelecidos, aprimorados e confluentes. Era necessária uma nova cultura. Só depois dessa girada de chave básica, Ceni começou a falar da melhoria de gramado do centro de treinamento, em instalar refletores no campo para conseguir treinarem até mais tarde, ajudou a montar novo cardápio com a nutricionista que pediu para contratarem, comprar novos aparelhos para a academia e até colaborar no planejamento da logística de viagens para os jogos. Notem: processo. Notem outra vez: garantir o básico. No final desse ano de 2018, ano histórico do centenário do clube, o Fortaleza tinha conseguido seu primeiro título regional, campeão da Copa do Nordeste, e nacional, campeão brasileiro da Série B. Depois desse começo - e com os processos já tomando consistência - Ceni teve condições de introduzir suas ideias táticas, seus treinos inovadores e sua exigência de performance física. Como dissemos, deu tudo certo, mas a chave de tudo esteve lá no começo. Ceni conseguiu provocar uma mudança na percepção e nas crenças na cabeça das pessoas que já estavam no clube há décadas. Ao mesmo tempo, fez os que chegavam acreditarem no processo (mais que no plano) e, no fim das contas, conseguiu mudar o patamar do Fortaleza E.C. Foi o início de um ciclo virtuoso que segue.

Muita bola rolou, a história continuou e se complexificou. Muita bola entrou a favor e contra, mas o fato é que o Fortaleza E.C., hoje, vai para a segunda Copa Libertadores seguida. Seu orçamento anual é o maior da história, 208 milhões de reais, quase dez vezes mais que o de 2018. É um time que ganha e que perde como todos os times do mundo, mas, sem dúvida, consolidado na elite do futebol brasileiro, o mais vitorioso do planeta.

Tudo isso para dizer que – guardadas as devidas proporções – quando atuamos no campo da educação e trabalhamos em escola, é fundamental identificar qual a(s) “caixa(s) térmica(s)” vai(vão) girar a chave mental da comunidade. Ouso dizer que gerar uma cultura de comunicação não-violenta na comunidade escolar é uma premissa básica. É caixa térmica, o gramado bom, o refletor, enfim. Só daí em diante conseguimos convencer as pessoas a notarem, devidamente, outras demandas: melhorar a didática, qualificar as avaliações, ressignificar planejamentos, etc. Para chegar em outros patamares com resultados inquestionáveis (excelência acadêmica e formação integral fecunda), no futebol ou na escola, o login é o mesmo, “garantir o processo bem-feito”, e a senha também: “assegurar o básico”.

A propósito, daquele dia em diante a caixa térmica nunca mais atrasou o treino.

Comentários

Postagens mais visitadas