O que fazer quando são eleitores que bombam notícias falsas de propósito? - Leonardo Sakamoto

Tão assustador quanto o sujeito passivo que não percebe que o conteúdo que está compartilhando nas eleições é falso é a constatação de que parte da população sabe exatamente que está recebendo um boato, uma fraude, uma notícia falsa e, conscientemente, passa adiante para ajudar o seu candidato ou prejudicar o adversário.

Não para apenas para fortalecer sua identidade dentro do grupo e ganhar respeito (sim, chuvas de likes dão um banho quentinho na alma), mas também atacar o "inimigo" - personificado na figura de um político que pensa diferente - com todas as armas que tiver à disposição. Inclusive a mentira anônima e disparada em massa.

Para muita gente, imoral e antiético é "deixar" o outro vencer. A ideia de que "o fim justifica os meios" ganha um caráter coletivo em seu formato 2.0.

O ambiente tóxico para o debate digital que foi sendo criado, paulatinamente, desde as eleições de 2014 no Brasil, passando pelo processo de impeachment e a chegada de Jair Bolsonaro ao poder, deixou marcas na democracia que dificilmente serão removidas.

E não apenas por conta de ressentimentos e do fenômeno da ultrapolarização, que explode pontes e impede que ouçamos aqueles com os quais não concordamos. Mas por simplesmente haver um naco da população para o qual as consequências de não separar fato e boato parecem não existir e eventuais punições atingirão sempre o outro. Afinal, o que é uma mentira para quem está do "lado do bem", correto?

Faz parte de nosso aprendizado para a vida privada e pública considerar a difusão de falsidades como algo negativo e de informações verídicas como uma coisa boa. Mesmo assim, desde sempre, o ser humano mentiu, e faz isso várias vezes por dia, para garantir benefícios a ele seu grupo ou proteger alguém ou a si mesmo.

Mas a partir do momento em que o processo de repassar, conscientemente, mentiras é feito de forma massiva, com a aceitação coletiva dessa difusão em nome de um objetivo político comum, nada impede que tal comportamento contamine as demais dimensões das relações sociais. A difusão de fatos falsos vai sendo encarado como parte normal da vida cotidiana, não como um desvio, preenchendo de lama a democracia.

Um dos piores legados de 2018 foi o aumento da parcela da população que não faz questão de separar fatos de invenções - seja por que considera isso irrelevante, seja por que desistiu de tentar entender o que é real e o que não é devido ao caos, seja por que se beneficia com isso. Se você não acredita em fatos e na razão e se guia apenas por falsidades e emoções, como vai tomar decisões racionais envolvendo sua vida e a da sua comunidade?

Em um mundo com informações hiperfragmentadas, em que cada um acredita naquilo que seu líder aponta como verdade, estamos parando de compartilhar uma percepção comum de realidade, deixando de acreditar em um pacote comum de fatos. O que é premissa para a vida em sociedade.

Imagine viver em lugar em que não mais se distingue fato e invenção? Nesse caso, perdemos a capacidade de cooperar por um bem comum, pois se torna impossível definir qual seria esse bem comum. As instituições perdem a credibilidade e são incapazes de resolver conflitos.

A saída, invariavelmente, acaba sendo um autoritário que aparece para dar sentido às coisas e colocar ordem no caos.

Temos que manter as conquistas de pluralidade à pauta pública trazidas pela democratização do acesso à internet, mas combater o envenenamento do debate público. Liberdade de expressão tem que ser integral, com o direito a receber informação do que acontece na sociedade sendo considerado no mesmo patamar do direito a se expressar. A tragédia é que muita gente aprendeu a compreender a liberdade de expressão apenas como um direito individual de falar e não um direito coletivo de receber informação. O que ajudaria a evitar as tais realidades paralelas.

Como tirar a água suja do banho sem jogar a criança fora é a grande pergunta.

Passa pela educação para a mídia (que é de longo prazo), pela valorização da informação jornalística (que depende de desafios a serem enfrentados pelo próprio jornalismo e pela sociedade), pela regulamentação das plataformas (não para banir conteúdo, mas evitar que sua própria arquitetura contribua para a desinformação), pela punição a quem manipula o debate público (atenção: não é a censura prévia à "mentira", o que é um risco à democracia, mas o combate à manipulação do debate público) e pelos líderes políticos (que deveriam acalmar a sociedade, reduzindo a ultrapolarização e abrindo pontes de diálogo).

Sobre esse último ponto, o problema é que, como disse o escritor Umberto Eco, "o drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade". E o idiota da aldeia quer sempre mais.

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