Eu mesário nas eleições 2018

Ontem trabalhei de mesário. Foi a primeira vez como presidente de seção, os dois turnos. Por uma ironia do acaso, fui convocado para garantir lisura no processo eleitoral de uma seção justamente no ano de 2018. Ano em que o candidato a quem faço forte oposição ataca noite e dia as urnas eletrônicas, acusando-as de fraudulentas, mas que (olha só que ironia) o elege e reelege há mais de 20 anos com votos nelas depositados. Inclusive na jornada de ontem, fiscalizada por mim.

Acho que para qualquer cidadão que vai trabalhar de mesário, os dias prévios às eleições induzem a um compromisso de ter postura imparcial. Não tem jeito, você fica pensando como se portar nas vésperas, imaginando como reagiria a determinadas situações. Tem nada a ver com imposição da Lei, pois ela não coage quem não tem má índole. Tem a ver com se perceber, se conhecer, ser consciente e justo num processo conquistado a tão duras penas, com tortura e sangue derramado. Foi muito significativo para mim, em termos de aprendizagem democrática e autoconhecimento.

Sou politicamente buliçoso e com partido publicamente tomado há anos. Só que nessas horas, os valores mais enraizados na gente se descobrem e se mostram. No meu caso, o valor da democracia. Da cor de roupa que vesti (branca) à postura gentil diante dos eleitores barraqueiros do candidato do PSL (impressionante como alguns refletem seu líder), passando pela imparcialidade diante de perguntas tipo “meu filho, não sei o que fazer, em quem votar, o que eu faço?”, cumpri minha missão com isonomia e responsabilidade. “Olhe aqui senhora, a lista com os números dos dois candidatos”. Como não sou robô, sorrisos e olhares discretos podem ter escapado diante de eleitores e eleitoras simpáticos, com bons livros nas mãos e estrelas adesivando suas roupas. Aliás, verdade se diga. Trabalhar de mesário nos ajuda a sair da bolha em que os logarítimos de redes sociais nos envolvem. Por exemplo, é verdade que há muito mais eleitores do Bolsonaro capturados pelo discurso da “mudança”, da ordem e da família do que antipetistas raivosos e babadores de ódio. Famílias inteiras foram votar adesivadas em favor dele. Não dá para não achar bonito, por mais ingenuidade que julguemos ser. Mas também se confirmam impressões. Não foram poucos seus eleitores paranoicos (paramentados com patriotadas), com maior ou menor discrição, querendo usar celular na cabina de votação, provavelmente na tentativa de tirar fotos ou filmar a urna. Num desses casos, após advertir uma senhora que não podia usar o celular na cabina ela retrucou: “mas só estou vendo minha ‘cola’ dos números”. “Infelizmente não é permitido senhora. Coloque, por gentileza, seu celular na mesa próximo a senhora”. Ao que, num tom acima do raivoso, questionou ao presidente da mesa que vos fala, “por que não tá aparecendo a foto do meu candidato”? Ao que respondia: “A senhora tem que digitar o número certo no cargo certo para aparecer. A senhora checou isso?”. Nem um “obrigado” arranquei nesses casos. Não basta ser arrogante, tem que ser mal educada.

Caíque, Ciro e Laís
Também com os colegas mesários a postura foi muito imparcial. Trabalhamos dois longos dias juntos, mas apenas faltando instantes para 17h de ontem, já com as seções praticamente esvaziadas e sem filas, conseguimos tocar no assunto de em quem cada um votou. Notável. Os quatro votavam orgulhosamente no Haddad (de colocar na foto do perfil no facebook) e não percebemos até cinco minutos antes do encerramento das eleições. Demos uma boa risada disso, mas a maior não foi nessa hora. Depois que fecharam o local e não havia mais eleitores circulando, alguns mesários foram de sala em sala checar o BU (Boletim de Urna) de cada seção, em que se contabiliza o total de votos de cada urna. A cada seção ganha por Haddad era um “isssssoooo” no corredor. Ri alto dessa cena. Só tinha mesário comunista, gente. E não eram menos de quarenta, nas dez seções de nossa zona. Haddad ganhou em nove delas. Foram muitos “isssssssoooo’s”, logo encadeados pelo “mas será que dá pra tirar a diferença?”. A resenha continuou na fila de entrega das urnas para os coordenadores do TRE no local. Rimos muito, sim, todos. Mesmo que de nervoso. Se tinha algum eleitor do Bolso ali, disfarçou bem.

Nas despedidas, nosso comentário geral era: 
“- Até 2020, nas próximas eleições. A depender de quem ganhe, se ainda tiver eleições”. (risos nervosos)

Não tenho expectativa alguma de melhora nos próximos anos no país. Foi eleito o pior candidato possível. Eivado de incompetência, despreparo e fundamentalismo religioso farisaico. É disso para pior, gente. Mas, sendo otimista: se Bolsonaro fizer o mesmo que fez em quase trinta anos de deputado, está ótimo.

Minha única expectativa para que esse governo garanta é, hoje, uma banalidade.

Ainda quero ser mesário numa eleição livre e democrática.

Só isso.

Na raça e na paz d'Ele,
J. Braga.

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