Voe, Irmão - Carta para Ir. Lúcio

Bem vestido, postura ereta, olhos de águia e sobrancelhas novelescas, daquelas que arqueiam. Ir. Lúcio é da linha de diretores que se fazem perceber, seja pela aparência, voz de comando ou pelo raciocínio agudo. 

Educador nato, intui tudo o que se passa em meia hora de caminhada pelos corredores da escola. Cheira o que há por trás dos acontecimentos, com altos índice de acerto. Imaginem quando ele tem oportunidade de permanecer mais tempo numa escola. É o nosso caso. Com ele foram quatro anos de releituras, desconstruções, retomadas, redirecionamentos e, claro, busca pela excelência. 

As Jornadas Pastorais Pedagógicas de 2015 a 2018 do Colégio Marista Patamares, por exemplo, foram de um nível tal, que me perdoem os outros colégios, mas nós aumentamos bastante a altura do sarrafo. Tanto pelos assessores conseguidos pelo Irmão Doutor, como pela nitidez metodológica, dignas de inserção no currículo lattes, que, aliás, já inseri no meu. Em outra ocasião, surpreendente, numa de suas primeiras reuniões de pais, algumas mães compreensivelmente nervosas com detestáveis situações de bullying na hora do recreio o questionaram. Ir. Lúcio deu aula. Citou Hanah Arendt – óbvio – e cravou, mais ou menos, assim: “crianças juntas, por falta de repertório para o diálogo e sem mediação adulta, podem ser cruéis. Educar é acolher as crianças nesse mundo que desponta para o conhecimento delas, assumir a autoridade de cicerones e intervir, pois as crianças aprendem melhor quando devidamente acompanhadas.” Ganhou aplausos. E nós, mais responsabilidade na hora do recreio. Assim é trabalhar com Ir. Lúcio. 

Àquela altura, o Irmão Doutor em Educação fez sua equipe captar rapidinho que o que ele teorizava rompia esquemas de sala de aula. 

Antenado com as discussões da academia, costumava nos implicar nos assuntos que o inquietavam. Tem o bom hábito de querer saber o que pensam os que estão ao seu redor, até onde alcançam compreender um tema, o que já leram, que autor conhecem, seu repertório. Nessas horas, quando o interlocutor fala, arqueia as sobrancelhas, aperta os olhos, quase fecha, como que tentando enxergar algo que vai além do que aquelas palavras e linguagens corporais decodificam. Parece se perguntar: de onde vem essa fala? E essa postura? Aliás, essa é outra coisa. O Irmão Doutor em Educação também é Mestre em Psicologia. “Lascou”, alguém pode pensar. Mas o que poderia ser intimidador, não raro se transformava em conteúdo para reflexões sobre a vida, política, educação e até telenovela das seis que ele adorava. Muitas resenhas. Eis outra faceta. Como se não bastasse, o Irmão Doutor, Mestre em Psicologia, também era Filósofo. E daqueles mais necessários: dos que amam a sabedoria e conseguem encantar os que o escutamos falar de tanta coisa que leu. 

Ir. Lúcio, em Salvador, também enfrentou dramas, lidou com seus fantasmas, suas impotências. Algumas sabemos, outras não. Mas não escondia suas imperfeições. “Eu também não sou fácil”, reconhecia com alguma frequência e sorriso de canto de boca. 

Mas a ideia desse texto é agradecer Lúcio Gomes Dantas. Então, Hannah Arendt merece um parágrafo à parte. Quando ele fala de Arendt, seus olhos brilham e cinco minutos bastam. Pode cronometrar. Todo mundo sai querendo ler “Eichmann em Jerusalém. Um Relato Sobre a Banalidade do Mal”. Eu li. E foi só o primeiro, pois dele ganhei outros e comprei todo o resto que existe em língua portuguesa. Fui flechado pelo amor àquela maravilhosa filósofa alemã nascida em Linden-Limmer, Hanover. 

O cupido vem de Currais Novos-RN. 

Se tem uma senhora fez um grande bem ao mundo, foi ela. 

Obrigado D. Isaura.

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