TODOS EDUCAM. A ESCOLA TAMBÉM - Elika Takimoto
Se tem uma coisa que me tira do sério é ouvir professor dizendo “A família educa. A escola ensina.”
Primeiramente (fora, Temer), o que esse professor entende por “ensinar”?
Se for o ato de passar informações para que o aluno faça aquela prova que ele aplica há anos, saiba que suas aulas, professor, estão – em bem melhor qualidade – disponíveis em vários canais do Youtube. No mais, informação por informação temos hoje o que quisermos na web. Como, professor-que-não-educa-e-só-ensina, você justifica para o seu aluno a necessidade de assistir as suas aulas? Se não fossem obrigados, quantos estariam presentes?
Mas, se “ensinar” significar, a la Paulo Freire, criar as possibilidades para a produção ou a construção de um conhecimento, então, isso é Educar. E vale dizer que todos nós nos educamos diariamente. Somos educados quando vemos uma pessoa fazendo uma caridade, quando sentimos o valor de uma abraço, quando observamos uma criança dividindo a merenda com a outra, quando vemos uma inclusão social…, enfim, mediatizados pelo mundo, somos educados e educadores sempre.
O papel do professor, o sujeito que, por essência, trabalha com Educação, não pode ser somente em transmitir conteúdos, mas também – e principalmente – de ensinar a pensar, a refletir, a questionar, de estimular a curiosidade. E isso tem a ver com modificar um ser humano. Não falo aqui de colocar ou tirar valores religiosos nos alunos, mas de fazer com que o aluno pense sobre eles. E que maravilhoso ver um aluno sempre pensando a respeito de seja lá o que for, não é verdade?
Se quiser que a escola continue ensinando os valores religiosos da família, há escolas para isso, as particulares. As escolas públicas não devem ter isso como compromisso por ser laica.
E não vou cair aqui na hipocrisia de dizer que a escola é neutra. Ser laica é uma coisa, neutra é outra. Ou se educa para o silêncio, para a submissão, para a obediência cega ou se educa para entender como funciona essa grande máquina chamada mercado de trabalho. E ambas as formas de educar são políticas. A primeira forma cidadãos-zumbis que acreditam que o mundo é assim, nada mais pode ser feito e só lhes resta ser mais uma peça substituível nesse sistema. A outra…
Então, o ponto todo é explicitar o porquê e o para quê somente “ensinar”. Vocês, professores-que-tem-aversão-ao-ato-de-educar, trabalham para quem? A favor de quem? Vocês estabelecem uma relação dialógica com o saber, buscando uma sociedade democrática ou reproduzem a lógica do sistema no interior das escolas através de exclusões, de estímulo à individualidade e à competitividade?
Em que medida um professor que tenha opinião formada sobre os assuntos mais emergentes e que está disposto a dialogar com seus alunos, a problematizar qualquer saber pode ser acusado de um inculcador ideológico? Quando o professor nada discute com seu aluno, o que ele está lhe ensinando?
Reclamar que o mundo está ruim, que o ser humano está acabando com o planeta, se queixar de violência urbana e não mostrar, dentro de sala de aula (ou fora dela) sempre que possível, os diversos conflitos, pelo contrário, fingir que eles não existem é agir politicamente no sentido de contribuir de forma descarada para que o mecanismo de opressão continue.
Pergunto a esses que reproduzem a frase-mantra do projeto Escola sem Partido (“A família educa. A escola ensina“):
– A quem interessa você, professor, usar essa frase como guia de conduta?
– Por que não lhe encorajam a ser um verdadeiro educador?
– Você repete um modelo de aula. Por quem e para quê esse modelo foi criado?
– Quando os alunos te obedecem e assistem sua aula em silêncio, o que eles estão aprendendo com isso?
– Em que medida desobedecer é ruim?
Pensemos.
A desobediência como divergência é um ato mega transformador, pois só crescemos no embate. Ao ser capaz de dizer não às imposições do sistema, educandos, educandas e educadores reafirmam o seu eu.
Só não aceitamos as mazelas do mundo quando desenvolvemos uma consciência crítica que nos possibilita desobedecer – no sentido de poder provocar mudanças substanciais e não aceitar as injustiças apaticamente.
O que se espera de uma escola que separa os capazes dos incapazes, que não dá espaço ao mínimo questionamento e quando um estudante o faz é considerado como subversivo? Em que medida isso também não é uma atitude política?
Ou educa a favor dos privilégios ou contra eles, ou a favor das classes oprimidas ou contra elas. Ou para falar ou para ficar calado. Aquele que se diz neutro, que apenas “ensina” serve apenas aos interesses do mais forte. Não se iluda, portanto, prezado colega.
Ao professor que se recusa a ser uma marionete desse sistema e se nega a repetir frases ditadoras escritas no Projeto escola “sem partido”, cabe a tarefa árdua e instigante de criar condições para que uma educação democrática seja possível, no sentido de gerar um cidadão solidário, preocupado em superar o individualismo criado pela exploração do trabalho.
Essa tarefa de uma educação pelo coletivo não virá em forma de lei e nem precisa já que os nossos documentos oficiais nos dão total liberdade para isso. Uma escola que gera seres que sabem questionar e não apenas responder já está sendo pensada e trabalhada há anos por muitos educadores que se educam mutuamente e diariamente, vale frisar.
Não é sem motivo que surgiu o projeto “Escola com mordaça” que faz, dentre outras coisas, os professores (frutos desse sistema que não ensina a refletir sequer sobre nossa prática) repetirem a frase que faria Paulo Freire se remexer todo no túmulo: “A família educa. A escola ensina“.
Pelamor, gente.
Que tal outra: “Todos educam. A escola também.”?
Fonte: https://elikatakimoto.com/2017/07/04/todos-educam-a-escola-tambem/
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