Liberdade de Expressão x Discurso de Ódio - por Moysés Pinto Neto
Existe uma confusão intencional nos discursos de ódio em torno à liberdade de expressão. Ontem teve defensor do Bolsonaro veio aqui e disse: "eu tenho o direito de ter minha opinião". E a resposta a isso é: sim, você tem esse direito mesmo.
Aqui há uma confusão básica entre o que pode ser enunciado e o que vale a pena ser enunciado. Por exemplo, você tem o direito de acreditar que a Terra é plana ou que 2 + 2 = 5? Tem. Se alguém quiser escrever na Folha que 2 + 2 = 5 isso é proibido? Não. No entanto, vale a pena escrever isso? Alguém acha que é produtivo acreditar que a Terra é plana, mesmo que saibamos com milhares de evidências que essa é uma afirmação falsa? Você acha que quem refuta seu artigo dizendo que 2 + 2 = 4 está o censurando? Então aqui o sujeito que defende discurso de ódio -- por exemplo, é preciso negar direitos civis iguais a gays e lésbicas -- está confundindo duas dimensões: a liberdade de pensamento é absoluta, mas na medida em que ela passa à expressão entra no âmbito público deliberativo. E portanto está sujeita à refutação sem que isso constitua censura. Você a expressa por conta e risco. O recente caso do MBL rechaçar o "fact checking" é o mesmo mecanismo: você tem o direito de acreditar em notícias falsas, mas na medida em que as enuncia qualquer um pode ir lá e mostrar a falsidade, tirando seu crédito. Isso é tão parte da liberdade de expressão quanto o seu pensamento privado, sua opinião. Se não aceita isso, quem está contra a liberdade de expressão é você.
No entanto, há que se conceder um ponto: existem muitos segmentos tanto da esquerda quanto de defesa de minorias que também confundem as duas dimensões. É o que os conservadores chamam de "politicamente correto". A expressão, embora tenha as piores raízes e usos, tem alguma razão de ser, pois significa a adoção por parte de ativistas (que Angela Nagle chama de "tumblr liberals") do mesmo tipo de confusão que os conservadores gostam de criar, só que com sinal invertido (isto é, no sentido de proibir). Assim, o "isso é absurdo" se transforma em "você não pode enunciar isso", formando o campo "contracultural" do "politicamente incorreto". E os dois mecanismos se reforçam infinitamente, pois cada um precisa do outro para sobreviver.
Estou recém me familiarizando com tudo isso na minha pesquisa, é tudo muito recente e surpreendente. Porém acho que uma resposta possível talvez seja recuperarmos o espaço dos argumentos, porque o escracho acabou se tornando um tapa-buraco para encobrir a fragilidade das razões. Não dizer: "isso é de direita", ou algo do gênero, mas "isso é errado por isso e isso" exige uma responsabilidade intelectual que vai além do militantismo que tem prevalecido nas redes. Acho que é hora de todos nós -- pessoas a quem repudia esse tom obscurantista que se alastra na sociedade -- começar a se colocar de uma maneira mais sóbria, menos militante, retraçando essa fronteira que pode trazer para o nosso lado novamente pessoas que abandonaram o bom senso devido aos exageros retóricos que cometemos nos últimos anos e acabaram beneficiando mais os autoritários e obscurantistas que aqueles que imaginávamos que iriam se beneficiar.
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