Bença, vó.

Desde criança, quando descobri que as pessoas boas iam pro céu, a senhora sempre era a primeira da minha lista imaginária das que tinha certeza que iam pra lá. Não sei por que, quando pensava nisso (num átimo de tempo) via Deus sorrindo, cabelão e barba branca, recebendo a senhora de braços abertos. Imaginação de uma criança que não abstraía muito a falta que a senhora faria, mas que conseguia materializar a alegria desse encontro.

Como vai ser nosso Natal daqui pra frente, vó? Onde vamos nos encontrar em família? Vai cada um pro seu canto, agora? E os primos?Quando e como vai ser sem sua presença abraçando todos, ovelhas católicas e evangélicas da família? Cheirando a nossa cabeça e mandando a gente ir tomar banho? Tacando mais comida no prato chegando pelas costas de surpresa na gente...(- Tá bom, vó! Não quero mais! 

- Quer sim, tá muito amarelo, meu fí). Saindo da sua cama e indo dormir na rede da sala pra seus filhos, filhas, genros e noras dormirem com um pouco mais de conforto? Quem faz isso hoje em dia, vó? Acabou-se seu cuscuz? E o macarrão ao alho e óleo? E o seu feijão? Quando, agora? Nem a casa da Parquelândia vai ter mais...meu Deus.

Vó, te devo muita coisa, mas a mais genuína é a essência de minha fé. Ser católico, pra mim, se tornou vínculo direto com a senhora, sabia?! Questão de honra. Tudo que vi e aprendi desde pequeno, com 3,4, 5 anos, observando a senhora rezar o terço e ler a Bíblia horas e horas (- Vó, como a senhora consegue ficar assim parada tanto tempo? - Tô rezando meu fí.), levando a comunhão pros doentes, dando plantão no SOS de Deus da Igreja redonda, sendo procurada pelas pessoas pra que a senhora rezasse com a mão na cabeça delas, orando em línguas na minha cabeça quando eu chorava porque minha mãe brigava comigo...ah...tanta coisa. Não à toa quase virei padre, né?! Mesmo saindo do seminário, nunca senti uma gota de decepção da senhora. Inteligente que é, a senhora talvez soube antes de mim que ali eu não seria feliz. Mas eu sou, por ter sido seu neto. Por ser! Pra sempre. Um orgulho danado da senhora, sabia?! Sempre tive. Todo mundo amava e respeitava a senhora. T-o-d-o-m-u-n-d-o. Até hoje não conheço viva alma que sabendo-me seu neto não dissesse que amava a senhora. Era alguém que todo mundo queria que fosse sua vó. Mas era minha. Minha e de mais uns 50 netos e bisnetos nas minhas contas perdidas, fora os 11 filhos legítimos e outros tantos postiços. A Parquelândia era toda sua se se candidatasse a vereadora. Outra coisa: com tanta gente da família se tornando evangélica, percebia que a senhora se fiava em mim, mandava fazer discurso/pregação/oração na noite de Natal (- Braga Neto vai falar! Cala boca minha gente) e ficava satisfeita. Acho que era das poucas vezes que eu realmente podia fazer algo pela senhora, rompendo a timidez de falar pra doutores, mestres, juízes, primos confidentes na adolescência, ou simplesmente pra quem me viu ainda com catinga de mijo, trocando minhas fraldas.

Mas acabou tudo mesmo, vó?! É sério isso? Ok. Vou ficar com minha imagem da infância. A senhora chegando no céu, cheirosa, sorridente, abrindo os braços pra Nosso Senhor, cabelão e barba branca, sorrindo...até que enfim esse abraço. Foram 93 anos de espera.

Te amo, vó. Pra sempre.

Na raça e na paz d'Ele,
J. Braga.

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