Cortella: "Não é só a educação dos filhos que é necessária, mas a dos pais também”.
Para o filósofo Mário Sérgio
Cortella, uma das principais referências do país em educação, somos a primeira
geração que testemunha mudanças de paradigmas tão velozes. E é natural que os
pais se sintam perdidos. Então, afinal, qual o segredo para não ficar ultrapassado
na educação dos filhos?
Texto Naíma Saleh - 09/11/2016
“A novidade não é a mudança
no mundo, é a velocidade da mudança.” Foi assim que o filósofo Mário Sérgio
Cortella, professor há 42 anos, pai e avô, abriu a palestra Novos Tempos, Novos
Paradigmas, que aconteceu em São Paulo, no fim de setembro. Diante de uma
plateia hipnotizada pelo vozeirão com sotaque sulista e pela naturalidade em
tratar temas complexos sem firulas, ele deixou claro que o grande desafio da
atualidade é acompanhar as transformações para não ficar para trás. Sim,
estamos vivendo um tempo de reviravoltas sem precedentes: na tecnologia, no
trabalho, nas relações. Nesse contexto, mudar não é apenas imprescindível, mas
inevitável. Principalmente quando se fala em educação. Em entrevista exclusiva
à CRESCER, Cortella separa o que é velho do que é antigo, defende que pais
podem ser, sim, amigos dos filhos sem perder a autoridade e critica o peso
colocado na escola para assumir um papel que é da família. Confira!
Uma parte das famílias acabou perdendo um pouco a referência dada à
velocidade das mudanças e à rarefação do tempo de convivência com as crianças.
Isso fez com que muitas acabassem terceirizando o contato com os filhos e
delegando à escola aquilo que é originalmente de sua responsabilidade. Só que
isso perturba a formação das novas gerações. É claro que criar pessoas dá
trabalho e exige esforço. Acontece que, no meio de todas essas mudanças, alguns
pais e mães ficam desorientados. Por isso, é necessário que eles encontrem
apoio, em livros, revistas, grupos de discussão. Não é só a educação dos filhos
que é necessária, mas a dos pais também.
Ao mesmo tempo que muitas
famílias terceirizam os cuidados, há um movimento de mães e pais largando a
carreira para se dedicar exclusivamente aos filhos, não?
Claro. Uma das coisas mais importantes na vida é entender que a palavra
prioridade não tem “s”. Não tem plural. Se você disser: “tenho duas
prioridades” é porque não tem nenhuma. Então, deve estabelecer qual é a sua
prioridade. Sua prioridade é o convívio familiar? Então dê força a isso. É a
sustentação econômica? Vá fundo. Só que, ao escolher, não sofra. É evidente que
ninguém precisa abandonar a carreira em função da família, mas é necessário
buscar o equilíbrio - da mesma forma como se faz para andar de bicicleta: só há
equilíbrio em movimento. Se você parar, desaba. Tenha em mente que haverá
momentos em que a família é o foco. Em outros, a carreira. Mas lembre-se de que
a vida é mais como maratona do que como uma corrida de 100 metros rasos: você
não sai disparado feito um louco. Tem horas que vai mais rápido, outras em que
desacelera. O segredo é ir dosando.
Você diz que, em um mundo de
mudanças, nem tudo o que é antigo é velho. Como saber o que está ultrapassado
na criação dos filhos?
No convívio familiar, uma coisa que é antiga, mas não é velha, é o
respeito recíproco. Outra é a capacidade de o adulto saber que a criança é
“subordinada” a ele, ou seja, que está sob as suas ordens. O pai não pode se
tornar refém de alguém que ele orienta e cria. Agora, uma coisa que é velha e
que deve ser descartada é o autoritarismo, a agressão física, o modo de ação
que acaba produzindo algum tipo de crueldade. Isso é velho e é necessário, sim,
mudar. Na relação de convivência em família é preciso modificar aquilo que é
arcaico. O que não dá para perder é a honestidade, a afetividade e a gratidão.
Tudo isso vem do passado e tem que continuar.
E como os pais podem
construir essa autoridade sem autoritarismo?
O pai e a mãe têm que saber que ele ou ela é a autoridade. Ao abrir mão disso, há um custo. Quem se
subordina a crianças e jovens, e têm sobre eles alguma responsabilidade, está
sendo leviano.
Mas você acha que dá para
ser amigo dos filhos?
Claro. O que não pode é ser íntimo no sentido de perder a sua
autoridade. Eu tenho amizade com os meus alunos, mas isso não retira a
autoridade nem a responsabilidade que eu tenho sobre eles como professor. Há
uma frase que precisa ser deixada de lado que diz que “o amor aceita tudo”.
Isso é uma tolice. O amor inteligente, o amor responsável é capaz de negar o
que deve ser negado. A frase certa é: “Porque eu te amo é que eu não aceito
isso de você”. O amor que tudo aceita é leviano, irresponsável.
Atualmente, se joga muita
responsabilidade na escola. Qual é o limite entre os deveres dos pais e dos
professores na educação das crianças?
É uma coisa estranha: a escola fica quatro ou cinco horas com as
crianças, em um dia que tem 24 horas, com 30 alunos juntos. É um
estabelecimento que deve ensinar a educação para o trabalho, educação para o
trânsito, educação sexual, educação física, artística, religiosa, ecológica e
ainda português, matemática, história, geografia e língua estrangeira moderna. Supor
que uma instituição com essa carga de atividade seja capaz de dar conta daquilo
que uma mãe ou um pai é que tem que ensinar a um filho ou dois é não entender
direito o que está acontecendo. A função da escola é a escolarização: é o
ensino, a formação social, a construção de cidadania, a experiência científica
e a responsabilidade social. Mas quem faz a educação é a família. A
escolarização é apenas uma parte do educar, não é tudo. Já tem personal
trainer, personal stylist, agora querem personal father, personal mother. Não
dá, é inaceitável.
Por outro lado, os pais
interferem demais na escola?
Há uma diferença entre interferir e participar. A escola tem que ser
aberta à participação. Quando há uma interferência é sinal de que está mal
organizado. O que acontece nas escolas particulares, que são minoria e
representam apenas 13% do total, é que muita gente não lida mais com a relação
família versus escola como parceria. É mais como se fosse um relacionamento
regido pelo Código do Consumidor, como um cliente, como se o ensino fosse o
mesmo que a aquisição de um carro. Essa relação é estranha e precisa ser
rompida.
A educação de gênero tem
gerado repercussão no meio escolar. Como você acha que as escolas devem abordar
esse tema?
Uma sociedade que não é capaz de atender à diversidade que a vida
coloca é uma sociedade tola. É preciso lembrar que a natureza daquilo que é
macho e fêmea está na base biológica, mas o gênero se constrói na convivência
social. O macho e a fêmea vêm da biologia. Mas o que define masculino e
feminino é aquilo que vai se construindo no dia a dia. Por isso a escola tem
que trazer o tema. É claro que não vai incentivar uma discussão que seja
precoce para crianças de 8, 9, 10 anos. Mas também não vai fazer com que aquele
que é diferente seja entendido como estranho. Aquele que é diferente é apenas
diferente, não é estranho. Nessa hora, é tarefa da escola acolher. Se a família
não concorda e a escola é privada, mude a criança de escola. Agora, se for uma
instituição pública, é um dever constitucional e republicano admitir a
diversidade.
Fonte: http://revistacrescer.globo.com/Criancas/Escola/noticia/2016/11/cortella-nao-e-so-educacao-dos-filhos-que-e-necessaria-mas-dos-pais-tambem.html
Fonte: http://revistacrescer.globo.com/Criancas/Escola/noticia/2016/11/cortella-nao-e-so-educacao-dos-filhos-que-e-necessaria-mas-dos-pais-tambem.html
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