ENEM: 4 das 10 melhores escolas do país são do Ceará. Viva! Não, péra...

Me chamou muito a atenção que das 10 melhores escolas ranqueadas do ENEM 2015 no país, 4 são do Ceará, terra onde nasci. Contente com a notícia, fui checar melhor os indicadores para tentar entender esse fenômeno alencarino. Não que fosse surpreendente. Há anos, os cearenses se destacam nos vestibulares mais difíceis do Brasil, como ITA e IME. Quando vamos mal, metade das vagas desses vestibulares são de estudantes alencarinos. Ano após ano. 



Mas foi frustrante olhar com lupa a planilha de excel do ENEM 2015 organizado pelo MEC. Fiz uma
análise simples das três escolas melhor colocadas de Fortaleza, ranqueadas entre as 11 "melhores" do país. Afinal de contas, como elas conseguiram estes resultados de ENEM? Maquiando com “macetes administrativos”, infelizmente. Senão, observem a análise dos indicadores:

1. Indicador de permanência menor que 20%: Caso da "azul", da "roxa" e da "verde" - Significa que a maioria dos estudantes destas escolas não teve sua base de conhecimento formada ali. Foram pescados de outras instituições pela performance acadêmica, provavelmente ganharam bolsa e outros bônus para terminar o Ensino Médio nelas e poderem garanti-las bom ranqueamento. Estes estudantes não devem seus resultados a estas escolas. É o contrário. E as instituições que realmente deram base a esses alunos notáveis não conseguem visibilidade.

2. CNPJ’s diferentes: Caso da "azul" e da "verde". Duas escolas de mesmo nome/marca organizam "turmas especiais" em endereços separados dos "alunos normais", para darem a impressão de oferecem condições iguais de ensino-aprendizagem a todos os matriculados. A estratégia é fazer a propaganda de outdoor para as massas acharem que vão ter acesso aos mesmos professores e infraestrutura que os da "turma especial". Não terão. Vinculado ao item anterior, estes endereços reúnem maioria de novatos que foram praticamente "contratados" por estes CNPJ’s, apenas para fins de resultados acadêmicos. São intensamente treinados para fazerem determinados tipos de prova, sem real cuidado com a formação integral do jovem.

3. Porte da Escola de 31 a 60 alunos: da "azul", da "roxa" e da "verde" – São as chamadas “turmas especiais” que adquirem, inclusive, personalidade jurídica própria. Conectado ao item acima, esse é mais um “macete administrativo” que organiza uma turma de alunos notáveis como se fosse uma escola inteira, através de um outro CNPJ.

O desempenho destas mesmas escolas nos CNPJ’s com alunos de outras sedes, ou seja, que tenham adquirido sua base de conhecimento na própria escola/marca (indicador de permanência > que 80%) e maior número de estudantes por turma (porte da escola > que 90 alunos), o ranqueamento é bem pior:

Escola "azul" = 86o, 311o e 426o.

Escola "verde" = 111o, 841o, 995o.

Escola "roxa" = 365o, 511o, 862o.

Esses resultados têm a ver com duas décadas de agressivas campanhas publicitárias de endinheiradas famílias donas de escolas em Fortaleza, com foco no ITA e, depois, no IME. Intencionalmente, ou não, elas conseguiram impor um paradigma cultural na classe média da cidade: “- Escola boa é a que faz o aluno passar no ITA/IME”, diz o fortalezense médio. Nesse mesmo ínterim, consagraram métodos para treinar alunos para estas provas e “macetes administrativos” (para não chamar de trapaças) que potencializavam o ranqueamento destas escolas. Chegaram a um domínio de mercado que não precisavam nem demonstrar que tinha bons resultados no vestibular da UFC (Universidade Federal do Ceará). Para o fortalezense médio, se a escola fazia propaganda de bons resultados no ITA/IME, fazer passar na Federal era “fichinha”. Tal mentalidade é tão forte que em 2008 – enquanto todo o Brasil já repercutia o ranking ENEM – esse exame era sumariamente ignorado nas propagandas das escolas em outdoors de Fortaleza. Calculo um deley de 5 anos entre o início da repercussão dos resultados de ENEM em capitais como Salvador, Teresina e Natal, por exemplo, e o que apenas recentemente é valorizado em Fortaleza. O mantra publicitário de ITA/IME segue forte na cidade, mas cedeu espaço para o ENEM, que a classe média passou a valorizar com o tempo. 

As origens dessa dinâmica toda está no início dos anos 90, quando as escolas católicas tradicionais ainda preservavam a maior parte dos filhos diletos da tradicional família fortalezense. Eu era estudante, lembro bem dos apelos por trás disso tudo. As escolas confessionais relutaram em assumir um estilo de gestão que, posteriormente, se mostrou necessário. Ao meu ver, confundiu-se “eficiência em resultados” com “abrir mão do espírito de família”, o que no médio prazo foi fatal para muitas delas. Ao lado disso, e talvez mais grave, porém, foi a pressão exercida pelo modelo de vestibular para ITA/IME que implicava em mexer em toda uma estrutura de ensino-aprendizagem e lançava sombras enormes sobre a perspectiva da formação integral, humanizadora. Atingia-se em cheio o cerne da proposta pedagógica da escola católica, com consequências enormes. Tragicamente, a força da mentalidade de competição de mercado prevaleceu.

Por essa e outras inúmeras de razões, em 2007, sucumbiu um gigante da educação em Fortaleza: o Colégio Cearense Sagrado Coração, que abrigou, ainda em minha época de estudante, mais de 4000 alunos nos três turnos. Entre o desafio de rever sua eficiência de gestão e preservar seu espírito de família; ou reencontrar o equilíbrio entre a formação humanista e a demanda de resultados da classe média fortalezense, apareceram alguns maus gestores que comprometeram irreversivelmente a sustentabilidade do colégio. Que fechou.

Ocorre que hoje as escolas católicas, em todo Brasil, já chegaram a um nível de maturação suficiente, que equilibrou as demandas de mercado e a manutenção de sua identidade. E, agora, está bem evidente que tem muita gente, em Fortaleza, comprando gato por lebre nestas instituições educacionais que forjam “bons resultados” no ENEM. Só que as opções de escolas que levem à sério a formação integral de crianças, adolescentes e jovens, em Fortaleza, e conseguiriam atender a demanda por resultados acadêmicos já estão dramaticamente reduzidas. O fortalezense já não tem opção e as próximas gerações já estão perdendo.

Na raça e na paz d'Ele,
J. Braga.



Comentários

  1. Meu grande amigo.
    É perfeita a análise. É triste ver o que a disputa inescrupulosa de mercado provoca.

    Belas reflexões.

    Abraços,

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