Nossa puberdade democrática em ebulição

Dilma é honesta.
Dilma é uma estranha no ninho das raposas. 
E isto é um problema para as raposas. 

Se você leu a primeira frase desse texto e ainda seguiu até aqui, há esperanças. Sinal de que você não está tomado por algum extremismo raivoso. 

Sigamos.

Nasci em 1980, quando ainda vivíamos uma Ditadura Militar. Sou de uma geração que tinha pais temerosos do ativismo político, manifestações de rua e tudo que envolve uma democracia plena. Gente que desapareceu, morreu ou sofreu perseguição política ainda era algo muito latente, próximo. E, segundo o senso comum da época, ir à rua reivindicar ou protestar era coisa de "anarquista". Pelo menos era o que falavam lá em casa. Na outra ponta, cresci escutando professores, lideranças sociais e formadores de opinião menosprezando minha geração por nunca irmos às ruas contra tanta injustiça. Segundo eles, acomodávamos nossos cotidianos ao nosso time de futebol ou a hits como "Eguinha Pocotó", "Segura o Tchan" e ponto. Sinceramente, não gostava dessas críticas, mas tinha que engolir. Não percebia o mesmo incômodo nos meus contemporâneos juvenis. Ao mesmo tempo, sempre via mobilizações de gente vinculada ao Partido dos Trabalhadores, PC do B, PDT levantando bandeiras óbvias, mas que só eles discutiam abertamente: aumento do salário mínimo, contra o desemprego, direitos humanos, combate à fome, reforma agrária, meio ambiente, contra o entreguismo aos EUA, em defesa das minorias, enfim. Lembro que na época de eleições a Av. da Universidade, em Fortaleza, era tomada por gente comum, sem dinheiro, às vezes mal-vestida, mas motivada, empunhando uma bandeira com estrela vermelha nas esquinas até altas horas da noite, de graça. Apesar de nunca ter feito isso, nem saber se concordava com a ideologia, me encantava aquela utopia.

Mas a utopia quase nunca consegue a última palavra quando a força da realidade se impõe. É difícil pensar em acabar com a fome no mundo sem ter grana para o almoço, certo?! Pois é.

O PT se tornou partido majoritário, dominou a cena política nacional, ganhou eleições, fez Lula presidente duas vezes e Dilma duas vezes. Neste intercurso alguns de seus membros abandonaram a utopia e se deixaram contaminar pelo pragmatismo, a "realpolitik". As recentes descobertas da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, dão conta de que o financiamento empresarial de campanha é o DNA da corrupção. Não há como desconhecer o pagamento de "pedágio" de grandes empreiteiras e construtoras (corruptoras) a partidos, a fim de que abocanharem indevidamente um pedaço do dinheiro público em obras de grande investimento. Há agentes públicos e políticos atolados até o pescoço com isso, não só na Petrobras, mas em Furnas, Metrô de São Paulo, enfim. A lista é enorme e alcança quase todas as legendas. E pelo apurado até agora é certo que pessoas dos diversos partidos se deixaram contaminar pela corrupção endêmica e antiga no Brasil, como uma senhora idosa.

E é aqui que quero chegar: Corrupção Velha X Democracia Nova.

O Brasil vive uma enorme crise de representatividade expressa em diferentes nuances. Nosso sistema político depois de 30 anos de redemocratização já mostrou seu desgaste, especialmente o modelo eleitoral. Depois da Ditadura, a sociedade teve tempo para entender as falhas do que se implementou na Constituição de 1988 (como o financiamento empresarial de campanha e o coeficiente eleitoral) e passa por uma espécie de "puberdade democrática". Como adolescentes com autoestima instável, estamos demorando para nos reconhecer na frente do espelho. Vemos acnes, pescoço fino, cabeça grande, pele mais grossa, pelos nas axilas, mamilos doloridos. Temperados por pitadas de malícia, sentimos um estranhamento enorme sobre todos que nos rodeiam que não parecem ser "tão legais" como quando éramos crianças. E reclamamos de tudo, mesmo injustamente, pois precisamos nos expressar. Também nos sentimos estranhos, preocupados em ser aceitos. Nessa hora, a moda por exemplo, influencia fortemente as decisões adolescentes, bem mais que em outras fases da vida.

O antipetismo cego, então, virou tendência nesse verão. É moda ser antipetista.

Há um bom número de pessoas acreditando piamente que, se o PT acabar, no dia seguinte, a maioria dos problemas do país estarão solucionados. E isto não é um exagero. Como vemos nos adolescentes, estamos na zona da linguagem hiperbólica, sem meios termos. É possível identificar várias crises acontecendo no Brasil desde junho de 2013. Uma das crises é de percepção. Basta olhar o que aconteceu neste mês de março: pessoas foram às ruas contra corrupção no curso do governo que mais combateu e combate a corrupção na história. Muitos pedem a saída de uma presidenta que - diferente de 99% dos políticos - nunca teve seu nome envolvido em qualquer escândalo, nem joga sujeira para debaixo do tapete como seu antecessor FHC, hoje na oposição e falando em bebês corruptos, ou bobagens do tipo. Aliás, ela nunca nem foi política, sua primeira candidatura foi em 2010. É uma estranha no ninho das raposas. E isto é um problema para as raposas. 

Dilma não segue a lógica delas. 

Enquanto se combate a corrupção, aparecem os mal-feitos de até recentemente, e independente de legenda, os envolvidos são conhecidos. Até aqui tudo normal, mas daí surge a mídia como ator político e embaralha as cartas. Começam os vazamentos seletivos, a omissão de dados do governo, a exploração sensacionalista, a cooptação bajuladora dos entes jurídicos, a criação de uma narrativa parcial e os holofotes se direcionam a uma única legenda: o PT. O que induz aos adolescentes teleguiados a gritarem contra a corrupção, mas, pasmem, pra derrubar quem finalmente a combate, doa a quem doer. Sem saber, as pessoas que representam nossa puberdade democrática, cansadas de tanta sujeira noticiada, não conseguem discernir direito o alvo, a ponto de exigirem a saída de Dilma e não mostrarem um único cartaz contra Eduardo Cunha, o político mais sujo da história recente do país, com mais de duas dezenas de processos correndo contra ele no STF, incluindo uso de documentos falsos. Tudo isso impulsionado pela Globo, uma das maiores sonegadoras de impostos do mundo. Afinal de contas, em que país uma empresa conseguiu sonegar mais um bilhão de reais entre 2005-2008 (coincidentemente, mandatos de Lula)? Até outro dia desconfiava da capacidade  política de mobilização de rua partindo da mídia, mas agora revejo meus conceitos. Foram nada menos que 17 chamadas ao vivo do Esporte Espetacular sobre as manifestações do domingo 15 de março. Até o fim da manhã, eram pequenas Brasil afora, mas se avolumaram, pois, em dado momento, jornalistas globais, "achando tudo lindo", começaram a ensinar a melhor maneira de chegar à Paulista, falando senhas como "famílias inteiras" e "de forma pacífica" com clara intenção de convocar mais gente. A manipulação da Globo é vinculada ao que ela mostra, mas sobretudo ao que ela omite. Por exemplo, leia-se "pacífico" os gritos de insulto a Dilma, bonecos dela e Lula enforcados pendurados num viaduto, cartazes com frases impublicáveis e, a cereja do bolo: torturador da época da Ditadura pagando de herói em fotos com crianças sorridentes na Av. Paulista. Foi demais para estômagos democráticos mais sensíveis. A única justificativa que encontro para tamanho empenho da cobertura parcial da Globo é o medo da quebra de seu enorme monopólio no Brasil, algo já sinalizado pelo PT e que, dado o quadro atual, deverá acontecer.

A perspectiva é que, no conjunto das forças democráticas, a sociedade civil vai garantir a temporalidade da liturgia eleitoral e superar a dicotomia dos tempos de hoje, independente da influência da mídia. Não sem grandes esforços de cidadãos e cidadãs comuns, como eu e você, vamos enxergar com maior nitidez o que está por trás destes acontecimentos e vencer as forças do retrocesso, da concentração de poder econômico e político. Feito lagarta que precisa passar pelo traumático casulo a fim de criar asas e voar, tenho esperança que nestes anos - se não houver ruptura do casulo do processo democrático - conseguiremos a metamorfose necessária ao amadurecimento da vida para alçar voos. Belos e consistentes.
Em tempo, digo: sou petista e quero que petistas corruptos se ferrem. Não confundo legendas com pessoas e exijo que tucanos, peemedebistas, demistas, pessebistas, pedetistas corruptos igualmente se lasquem. Em política, não faz sentido falar em legendas honestas, nem corruptas. Essa é uma atribuição de pessoas e, para nossa sorte, quem lidera essa metamorfose no Brasil é determinada e honesta. Tem vida coerente com a luta social e o combate à corrupção. 

Por fim, não adianta fazer previsões, eu sei. Mas eu sei a razão do meu otimismo.

Eu confio em Dilma.

Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

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