Aprendendo com os equívocos

Equívoco: até poderia ser, mas deixou de poder.
Um dia estava trabalhando na minha sala quando pela porta adentraram uma aluna querida (do grupo de jovens), o Auxiliar de Disciplina mais experiente da escola e um rapazinho que nunca tinha visto na vida. Conduzidos pelo Disciplina, sentaram nas cadeiras à minha frente e, meio assustados, esperaram o Auxiliar falar:

- Professor, a mocinha tentou colocar esse rapaz pra dentro da escola com a camisa do grupo de jovens. Ele já estava no pátio.
- Como assim? Perguntei, recebendo a camisa dele em mãos.
Ele esclareceu: 
- Identifiquei que o rapaz não era da escola, mas como ele estava vestido com a camisa, abordei primeiro a mocinha, que conhecia, perguntando se não era pra ela estar no grupo de jovens naquele horário. 
Ela disse: "- A gente saiu mais cedo pra fazer um trabalho na biblioteca."
O auxiliar, respondeu: 
- É mesmo?! E você moço? Não me lembro de você.
Ela tentou interromper e disse que eles eram da mesma turma.
E insisti, disse o Disciplina: - Então, como é o nome da sua coordenadora, rapazinho?

O rapaz não soube responder. E os dois - a menina e o namoradinho flagrado - foram encaminhados pra mim.

Ouvindo a resenha, fiquei chocado com a forma com que aquela sagrada camisa - do nosso grupo de jovens - foi tratada por aquela que era uma de nossas participantes mais promissoras. "- Ela não entendeu nada, não aprendeu nada no nosso grupo", concluía pensativamente eu. Não era possível que a segurança da escola tivesse sido burlada por uma das "nossas". Reagi com frustração e dureza. Minha decepção misturada com a tentativa de registrar com força aquilo na mente da menina foi externalizada, assim, sem muito filtro. Resultado: o conteúdo do dito - essencialmente correto - foi eclipsado pela maneira de dizê-lo - expressamente equivocado.

O fato é que amenina sumiu. No começo achei natural. Ela estava chateada também. Mas nós éramos os "certos". Até que...

Até que a mãe dela veio até nós. Queria conversar comigo, mas é como se estivesse meio perdida se seria eu a melhor pessoa pra ela falar. Começou dizendo que a filha iria sair da escola, mas que achava que ela precisava fechar bem esse ciclo. E que desde a época do caso da camisa ela havia se deixado bloquear, especialmente com relação às coisas da Igreja. Dizia: "- Até aquela coisa linda da visita do Papa Francisco ela dizia ser hipocrisia." Na hora caiu minha ficha. Entendi tudo que se passou e se passava.

Fiz bobagem. Na tentativa de acertar, exagerei na dose. Remédio virou veneno. Ou ainda não? Na esperança de não deixar que isso se cristalizasse, resolvi escrever-lha. Sou melhor escrevendo que falando [esse texto que o diga]. E redigi, de punho, uma pequena, singela e intensa carta que reproduzo abaixo:

Talvez você esteja fechando um ciclo. Mas não é bom fechar ciclos sem colocar todos os "pingos nos "i's". E isso vale pra mim também. 

Talvez eu tenha sido muito duro com você. Você é jovem e todo jovem precisa brincar, se expressar, "desafiar o sistema", mesmo que erre, se precipite quanto à hora, modo e lugar. O problema não é - realmente - errar, é não aprender a partir do "equívoco". Essa palavra vem de AEQUI, “igual”, mais a raiz de VOX, “voz” e quer dizer “ambíguo, de igual significado, com voz igual a ponto de enganar, suscetível de dupla interpretação”. Pois é. Até que ponto aquela minha voz de chamada de atenção será lembrada porque quero seu bem ou será rejeitada porque você se sentiu vista de forma pejorativa? Não preciso dizer que estou na primeira opção. Ou melhor, preciso. Senão você não teria sumido. Me situo no lugar do querer bem e alertar para que isso não se repetisse na sua vida, te prejudicando mais seriamente num futuro. Mas concordo com você. O jeito de dizer às vezes fala mais alto que o conteúdo do dito e estraga tudo.

Você é inteligente. E ser inteligente tem a ver com ser capaz de se colocar no lugar do outro. Exercitar o ponto de vista de uma outra pessoa para melhor compreendê-la. Assim, outro mundo fantástico pode se abrir no nosso horizonte. Eu te compreendo. E espero que você me compreenda. 

Perdão.

Entreguei faz algumas semanas. Pode ser que funcione, pode ser que não. Se conseguir, maravilha! Se não, vai ser uma pena. Tomara que no futuro ela releia esse ocorrido (e a carta) de maneira mais otimista e favorável. Mas já aprendi. Da próxima vez vai ser mais difícil me equivocar.

E outro aprendizado: no trabalho, como na vida, ter "boa intenção" é insuficiente.

Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

Comentários

  1. "O jeito de dizer às vezes fala mais alto que o conteúdo do dito e estraga tudo."
    Como isso é universal, e como a "liberdade" no falar tem levado a níveis críticos o entendimento entre as pessoas. Junte-se a isso o relativismo moral e pronto: temos uma Babel contemporânea....
    Anderson Marcolino.

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  2. Pois é Marcolino. Aprender a "dizer" tem uma força mobilizadora imensa. Mas cristalizadora também. Escrever sobre um fracasso ajuda a reelaborar condutas. Nada está posto, tudo é possível. Tomara que dê tempo. Abraço!

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  3. Toda e qualquer relação(amizade, namoro, profissional,etc) há sempre "riscos" e "acertos". Riscos, porque as nossas fragilidades nos fazem refém de falar "a palavra certa, do jeito e para a pessoa certa."
    Os acertos? Quando ambos tem a maturidade para OUVIR e discernir sobre o que foi dito.
    Ainda há uma pergunta que não quer se calar! Qual a pergunta se deve fazer numa horas dessas? Quais perguntas fazer para os envolvidos(coordenador, mãe e jovens) nessa situação?

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