Leonardo Boff fala sobre as manifestações

Estou fora do pais, na Europa a trabalho e constato o grande interesse que todas as mídias aqui conferem às manifestações no Brasil.

Há bons especialistas na Alemanha e França que emitem juízos pertinentes. Todos concordam nisso, no caráter social das manifestações, longe dos interesses da política convencional. É o... triunfo dos novos meios e congregação que são as mídias sociais.

O grupo da libertação e a Igreja da libertação sempre avivaram a memória antiga do ideal da democracia, presente, nas primeiras comunidades cristãs até o século segundo pelo menos. Repetia-se o refrão clássico: "o que interessa a todos, deve poder ser discutido e decidido por todos". E isso funcionava até para a eleição dos bispos e do Papa. Depois se perdeu esse ideal nas nunca foi totalmente esquecido. O ideal democrático de ir além da democracia delegatícia ou representativa e chegar à democracia participativa, de baixo para cima, envolvendo o maior número possível de pessoas, sempre esteve presente no ideário dos movimentos sociais, das comunidades de base, dos Sem Terra e de outros. Mas nos faltavam os instrumentos para implementar efetivamente essa democracia universal, popular e participativa. Eis que esse instrumento nos foi dado pelas várias mídias sociais. Elas são sociais, abertas a todos. Todos agora tem um meio de manifestar sua opinião, agregar pessoas que assumem a mesma causa e promover o poder das ruas e das praças. O sistema dominante ocupou todos os espaços. Só ficaram as ruas e as praças que por sua natureza são de todos e do povo. Agora surgiram a rua e a praça virtuais, criadas pelas mídias sociais.

O velho sonho democrático segundo o qual o que interessa a todos, todos tem direito de opinar e contribuir para alcançar um objetivo comum, pode enfim ganhar forma. Tais redes sociais podem desbancar ditaduras como no Norte da África, enfrentar regimes repressivos como na Turquia e agora mostram no Brasil que são os veículos adequados de reivindicações sociais, sempre feitas e quase sempre postergadas ou negadas: transporte de qualidade, saúde, educação, segurança, saneamento básico. São causas que tem a ver com a vida comezinha, cotidiana e comum à maioria dos mortais. Portando, coisas da Política em maiúsculo.

Nutro a convicção de que a partir de agora se poderá refundar o Brasil a partir de onde sempre deveria ter começado, a partir do povo mesmo que já encostou nos limites do Brasil feito para as elites. Estas costumavam fazer políticas pobres para os pobres e ricas para os ricos. Essa lógica deve mudar daqui para frente. Ai dos políticos que não mantiverem uma relação orgânica com o povo. Estes merecem ser varridos da praça e das ruas. Escreveu-me um amigo que elaborou uma das interpretações do Brasil mais originais e consistentes, o Brasil como grande feitoria e empresa do Capital Mundial, Luiz Gonzaga de Souza Lima. Permito-me citá-lo:

"Acho que o povo esbarrou nos limites da formação social empresarial, nos limites da organização social para os negócios. Esbarrou nos limites da Empresa Brasil. E os ultrapassou. Quer ser sociedade, quer outras prioridades sociais, quer outra forma de ser Brasil, quer uma sociedade de humanos, coisa diversa da sociedade dos negócios. É a Refundação em movimento".

Creio que este autor captou o sentido profundo e para muitos ainda escondido das atuais manifestações multitudinárias que estão ocorrendo no Brasil. Anuncia-se um parto novo. Devemos fazer tudo para que não seja abortado por aqueles daqui e de lá de fora que querem recolonizar o Brasil e condená-lo a ser apenas um fornecedor de commodities para os países centrais que alimentam ainda uma visão colonial do mundo, cegos para os processos que nos conduzirão fatalmente à uma nova consciência planetária e a exigência de uma governança global. Problemas globais exigem soluções globais. Soluções globais pressupõem estruturas globais de implementação e orientação. O Brasil pode ser um dos primeiros nos quais esse inédito viável pode começar a sua marcha de realização. Daí ser importante não permitirmos que o movimento seja desvirtuado. 
 
Música nova exige um ouvido novo. Todos são convocados a pensar este novo, dar-lhe sustentabilidade e faze-lo frutificar num Brasil mais integrado, mais saudável, mais educado e melhor servido em suas necessidades básicas.

Leonardo Boff - Munique > Paris 24/06/2013

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