Somos mesmo a juventude desmobilizada? - Carmen Guerreiro

#juventudesmobilizadas
Passei minha vida toda ouvindo das pessoas mais velhas que minha geração (Y) e as gerações mais novas (Z) eram apolíticas, desmobilizadas, apáticas. Zumbis criados em frente à televisão e ao computador, incapazes de protestar e se articular. Ouvi tanto que juro que, por certo tempo, cheguei a acreditar, sem parar para questionar. Afinal, meus pais se conheceram na Libelu, movimento estudantil contra a Ditadura Militar, e meu pai chegou a ser presidente do DCE da USP nesse período de extremos. É claro que, na adolescência, eu me sentia culpada por não lutar por alguma causa nobre.

Hoje, no entanto, vejo as coisas de maneira bem diferente. Para mim, quem continua falando que a juventude é desmobilizada são pessoas paradas no tempo que não tentam entender que as formas de manifestação mudaram consideravelmente. O fato de nem todo jovem levantar um cartaz e fazer piquete não significa que não seja politizado (nem que essa forma de manifestação seja certa ou errada, mas que é apenas uma das formas possíveis de manifestações). Falo a respeito do papel da internet na mobilização da minha geração.

Não é preciso ir muito longe. Dois eventos extremamente recentes (eu diria até que atuais) chamaram a minha atenção para o tema e são grandes exemplos de como a juventude se articula e manifesta.

O primeiro deles é a escolha do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal. Para quem não acompanhou a história, bem resumidamente o cara é um pastor ultra conservador que vive falando os maiores absurdos contra negros, gays e outras “minorias”. Houve tanta mobilização nas redes sociais contra a indicação desse fundamentalista para um cargo criado para a promoção da igualdade que, eventualmente, deputados se manifestaram contra a decisão e a questão está sendo levada para o STF para derrubarem o cara.

Manifestações e abaixo-assinados contra o sujeito neste cargo não necessariamente tem um efeito por si próprias (no sentido de o governo desistir de uma decisão porque o povo não quer), mas chamam a atenção para o debate e fazem com que outras pessoas – que têm o poder de derrubar o Feliciano – tomem uma atitude (se é para agradar as massas ou não, o importante é que a atitude seja tomada). Mais do que isso: a mídia daria tanto destaque para a questão se não houvesse a repercussão? Fazendo parte da imprensa, posso garantir que não.

Alguns podem argumentar que é fácil clicar em uma petição online e esperar que o mundo mude. E eu concordo em partes. Concordo com a parte que, se for só isso que a pessoa faça, de fato é muito cômodo. Mas, por outro lado, já é alguma coisa porque, em quantidade, chama atenção para a causa. E se a pessoa além de assinar a petição online for atrás de mais informações e se engajar de maneira ativa para mudar a situação, então, é o mundo ideal. Mas talvez ela não teria se engajado não fosse a mobilização online.

Para mim, a melhor forma de combater a falta de mobilização é circular informação. É verdade que muita gente assina esses manifestos sem nem ler, não ter conhecimento de causa e, ainda por cima, sem saber defendê-la. Citou algum “mensaleiro”, pronto, todo mundo se arma com cinco pedras em cada mão. Mas quantos sabem explicar o que foi o Mensalão? Longe de mim defender esse povo, mas também me irrita a maneira fervorosa como algumas pessoas defendem certas coisas sobre as quais pouco sabem os detalhes. Esses sim são papagaios apolíticos.

Mas voltando ao assunto, as redes sociais são a melhor maneira hoje de circular informação. E têm sido cada vez mais uma maneira de tomar ação. Vejam o que a jovem Isadora Faber fez pelo Facebook, por exemplo. Com apenas 13 anos, criou uma comunidade para criticar a escola pública onde estuda, em Florianópolis (SC), e tem mais de meio milhão de seguidores. A repercussão da iniciativa de Isadora virou os olhos do Brasil para a educação do município, ainda que todo mundo saiba que a educação pública enfrenta grandes desafios de qualidade no Brasil. E as coisas começaram a mudar na escola dela por causa disso.

Meu ponto é que, mesmo que nem todos tomem uma atitude, essas iniciativas levantam o debate e com isso cada vez mais as pessoas tomam conta da sociedade em que vivem, sabem o que está acontecendo, os motivos, sabem analisar as questões e apontar caminhos para mudança. Dá para dizer que é um caminho para a cidadania? Eu acho que sim. Cidadania com acesso, porque é cada vez mais difícil faltar acesso à internet. Não é um livro que custa R$40 e só é vendido em livrarias, coisa que, acreditem, poucas cidades do Brasil têm. Porque se trancar em seus condomínios de luxo e se isolar dos problemas da sociedade, mas gostar de apontar o dedo na cara dos outros para falar que todos os políticos são corruptos, defender a pena de morte, dizer que o Brasil não vai para frente e que pobre tem preguiça de trabalhar, aí é fácil (e triste, né?). Esse tipo de comportamento só perpetua a ignorância e, por consequência, piora o país.

Que tal mais iniciativas como aqueles sites que ajudam o eleitor a comparar propostas de governo em época de eleições, ou o Vote na Web, que posta os projetos de lei e abre para a votação das pessoas. Nesse site, o voto do povo vai mudar na aprovação ou não da lei? Não. A tendência é que as pessoas votem de maneira conservadora e sem saber de fato quais são as questões envolvidas? Sim. Mas o maior ganho é conhecer o que estão querendo aprovar e ter a chance de se posicionar sobre o assunto.

É um ponto de partida, assim como a maior parte das manifestações online.

O segundo caso que me levou a escrever esse post foi o chocante atropelamento do ciclista na Avenida Paulista (SP) no fim de semana passado, em que o motorista supostamente estava bêbado (ou não, segundo o laudo clínico) e decepou o braço do jovem que andava de bicicleta na ciclofaixa ainda desativada. Mutilações sempre me chocam muito. Possivelmente são as coisas que mais me chocam de todas as coisas do mundo, para falar a verdade. E o infeliz do motorista jogou o braço do moço no córrego. É.

No mesmo dia, teve protesto dos ciclistas na Paulista. E é esse tipo de manifestação que tem criado a demanda para mais segurança no trânsito e infraestrutura para as bicicletas nos grandes centros. Mas o que mais me surpreendeu foi que, em pouco tempo, internautas criaram duas mobilizações: uma para repor o sangue usado no tratamento do rapaz e outra para dar a ele uma prótese mecânica. Nada disso vai reverter a tragédia, mas certamente vai ajudar.

Por essas e outras (tem também o Occupy Wall Street!), não só é válido manifestar na web, mas acredito que seja um ótimo ponto de partida, fantástica maneira de articulação e mobilização e, ainda por cima, algo que está mudando a forma como as pessoas se colocam politicamente. Além de tudo isso, esse movimento está derrubando barreiras que sempre questionei, as fronteiras nacionais. É possível se engajar e ajudar com qualquer causa do mundo, porque afinal, somos todos humanos antes de sermos brasileiros.

Hoje eu escrevi para dizer que fico orgulhosa desse novo movimento, e gosto muito de fazer parte dele.

Fonte: AnsiaMente, em 15/03/2013

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