Qual é o problema de ser introvertido? - Carmen Guerreiro

Introversão desde criança
Mais de uma vez, eu digitava quietamente no meu computador no trabalho (para os que não sabem, sou jornalista e trabalho em uma redação, em uma editora de revistas, e redações em geral mantêm um nível razoável de barulho e conversa) quando o diretor de redação comentou com o meu chefe, na minha frente:

“Mas ela não fala, não?” ou “Que silêncio nesse canto aqui, hein?”

Eu fico sem graça. Me sinto na obrigação de dar uma justificativa para o meu comportamento recluso, ainda que o comentário seja uma brincadeira. Eu poderia ser uma daquelas pessoas que contam as piadas que todos dão risada, que fazem um comentário sagaz sobre a conversa geral, mas não sou. Mas não é culpa do diretor de redação. Ele é uma pessoa bacana que apenas chamou atenção para uma opinião geral da sociedade: a de que extrovertidos são mais bem vistos do que introvertidos. Afinal, todos parecem gostar daquelas pessoas carismáticas, que têm um magnetismo natural, que falam bem em público, parecem estar cercados de amigos, sabem contar uma boa história.

Eu, por outro lado, sempre fui levada a acreditar que tinha algum problema comigo. Na escola e na faculdade, fazer trabalho em grupo era um terror. Eu pedia para fazer a tarefa individual, mesmo que o professor avisasse que o trabalho era difícil de ser feito sozinho. Seminários, então, eram um pesadelo. Na aula de educação física, eu sempre tinha uma desculpa diferente para não participar dos jogos e, quando tinha que participar, era a última a ser escolhida. Não se trata de ser popular ou não: sempre tive meus poucos e bons amigos, fui atrás dos meus interesses, nunca sofri bullying ou nada do tipo.

Mas é um fato também que sempre fui do grupo dos introvertidos, e que isso parecia ser colocado, na balança social invisível, abaixo do mundo dos extrovertidos. Perdi a conta de quantas vezes ouvi alguém me descrever como “tímida”. E por algum tempo acreditei nisso. Mas não sou tímida! Sou introvertida. Já ouvi muito também os outros me dizerem que “achavam que eu era toda certinha” antes de me conhecer direito. Por quê? Por que eu não grito, não sou vulgar, não me exponho?

Não quero sair de balada todos os dias. Não quero conversar no ônibus ou na fila do banco com estranhos. Não quero amizades superficiais. Me irrito com papo-furado, conversinha fiada sem sentido. Sabe aquela conversa de elevador? Pois é, detesto. Não quero participar de um teatro interativo com a plateia. Prefiro ler um livro, cozinhar e navegar na internet a participar de atividades coletivas. Me expresso melhor escrevendo do que falando. Não gosto de falar no telefone. E por isso passo por chata, antissocial, arrogante, tímida e esquisita.

Ao mesmo tempo, invejo secretamente os palestrantes do TED, admito que queria saber como contar uma piada e que me sinto solitária às vezes, e que gostaria de ser uma pessoa um pouco mais desenvolta. Às vezes me sinto inadequada socialmente ou, como uma expressão em inglês define muito bem, unfit (fit é aquilo que cabe, que está na forma certa, e unfitseria algo que não encaixa).

Existe algo de errado com tudo isso? Eu padeço do mal de ser antissocial? Me fizeram acreditar que sim, mas começo a achar que não. Estou lendo o livro Quiet: the power of introverts in a world that can’t stop talking (no Brasil foi publicado como O Poder dos Quietos), que desde a primeira linha foi uma grande “Eureka” para mim.

A autora Susan Cain, ela mesmo uma introvertida, defende que se todos fôssemos extrovertidos ou todos introvertidos, o mundo não daria certo. Ou seja: sem a diversidade, não haveria sucesso.

Como exemplo disso, ela conta a história de Rosa Parks, considerada a mãe do movimento de direitos humanos nos Estados Unidos por ter se negado, em um belo dia, a se levantar do seu assento no ônibus para dar lugar a uma mulher branca. Ela levantava todos os dias, mas naquele decidiu não levantar. Por isso foi presa, julgada e condenada. Isso foi o estopim para o movimento que deu aos afroamericanos direitos iguais aos brancos do país, pois quem saiu na defesa de Parks foi ninguém menos que Martin Luther King Jr. A conclusão é: se um ativista extrovertido como ele tivesse se negado a ceder um assento no ônibus, o efeito teria sido menor. Quem precisava dizer basta era aquela senhora introvertida, quieta, mirrada. Mas quem precisava pegar o microfone e dizer “Eu tive um sonho” era o reverendo.

A questão é que vivemos sob o “ideal extrovertido”, conforme explica a autora. É uma mentalidade que coloca o comportamento “alfa”, que gosta dos holofotes, como ideal social. Prefere ação à contemplação, certeza à dúvida. Isso faz com que introvertimento, junto com seus primos sensibilidade, timidez e seriedade, estejam, segundo Susan, entre uma decepção e uma patologia. Quem já não ouviu, afinal, pais se desculpando pelo silêncio e timidez do filho para os amigos, ou até mesmo para estranhos? Por que crianças tagarelas são mais queridas e tidas como mais inteligentes? Afinal, Einstein só foi começar a falar aos 6 anos! Na escola também somos encorajados a “sair da toca” e nos abrir, como se a reclusão fosse uma atrofia social, uma deficiência.

Susan observa, ainda, que muito do que influencia no modo como pensamos e vivemos hoje partiu de pessoas introvertidas, como a teoria da evolução, os quadros de Van Gogh, a invenção do computador pessoal, as composições de Chopin, alguns dos clássicos da literatura, o Google. A lista é infindável.

O livro traz também um teste interessante (com nenhuma relevância acadêmica, mas interessante mesmo assim) para saber se você é extrovertido ou introvertido (responda “sim” ou “não”):

* Atenção: a tradução foi feita por mim e só tem como objetivo fazer referência ao livro!

“1. Eu prefiro conversas a dois do que atividades em grupo.

2. Frequentemente prefiro me expressar escrevendo.

3. Eu gosto de solidão.

4. Eu pareço me importar menos com riqueza, fama e status que meus conhecidos.

5. Não gosto de conversa fiada, mas gosto de conversar com profundidade sobre tópicos que importam para mim.

6. As pessoas me falam que sou um bom ouvinte.

7. Não sou o tipo de pessoa que gosta de correr riscos.

8. Gosto do tipo de trabalho que permite que eu mergulhe nele com pouca interrupção.

9. Gosto de celebrar aniversários em pequena escala, com apenas um ou dois amigos próximos ou membros da família.

10. As pessoas me descrevem frequentemente como “de fala mansa” e “tranquila”.

11. Eu prefiro não mostrar ou discutir meu trabalho com outros até que esteja terminado.

12. Não gosto de conflito.

13. Eu faço o meu melhor trabalho sozinho.

14. Eu tendo a pensar antes de falar.

15. Eu me sinto exaurido depois de sair de casa, mesmo que eu tenha me divertido.

16. Frequentemente eu deixo ligações irem para o correio de voz.

17. Se eu pudesse escolher, eu preferiria um fim de semana com absolutamente nada para fazer do que um com muitas coisas marcadas.

18. Não gosto de ser multitarefas (fazer várias coisas ao mesmo tempo).

19. Eu consigo me concentrar facilmente.

20. Em sala de aula, eu prefiro aulas expositivas a seminários.”

Se você marcou “sim” para a maioria das afirmações, você é um introvertido. Confesso que marquei apenas a 3, 11, 18 e 19 como “não”, e as outras 16 foram um grande sim. E me senti bem por isso. Por não me sentir tão deslocada.

Senti o mesmo quando me apaixonei pelo trabalho da Annie Leonard através do vídeo “A história das coisas”. Conforme a entrevistei e fui acompanhando seu trabalho, me senti frustrada por não ser mais como ela e de fato promover mudanças. Mas não tenho o perfil de ativista! Me senti hipócrita por escrever e pregar o que devemos fazer para mudar e não colocar a mão na massa, largar o emprego e me dedicar a uma causa, por exemplo. Mas a própria Annie, sem saber, me deu a resposta a este dilema quando criou um quiz chamado “Que tipo de agente de mudança é você?”. Com ele, entendi que existem diversas formas de promover a mudança de acordo com a sua personalidade: a de resister (aquele que resiste, que faz protestos), networker (quem faz contatos), nurturer (aquele que cuida, como os médicos e enfermeiros), investigator (investigador, que vai atrás e denuncia), communicator (quem divulga, comunica, espalha a notícia), builder (o que põe a mão na massa e constrói algo, como uma ONG).

Entendi então que sou uma comunicadora, e que o meu papel não é mais ou menos importante que os outros. É fundamental assim como os demais. E me senti um pouco melhor por ser como sou: introvertida, sim, sem precisar dar sorriso amarelo nem me justificar por isso.

Esse post acabou sendo menos “reclamão”, mas eu sou assim: só me incomodo com as coisas porque queria que elas fossem todas sensatas e inspiradoras como essa teoria da Susan Cain – e elas não são.

Fonte: http://ansiamente.wordpress.com/2013/01/24/introvertido/

Comentários

Postagens mais visitadas