Geração Y e as novas formas de lidar com o saber
Para o psicanalista Mário Corso, a geração Y é levemente contraditória: quer ser independente, mas pouco rompe a relação com os pais.
Por: Patrícia Fachin
A partir da experiência e do contato com jovens no consultório, o psicanalista Mário Corso observa que o comportamento da chamada geração Y é diferente da juventude dos anos 1980, ou seja, daqueles jovens que nasceram entre as décadas de 1960 e 1970. A maneira como eles lidam com o saber, segundo Corso, é o aspecto que mais os difere de seus antecessores. “A cultura tradicional de que o ancião era o sábio foi decaindo com as últimas gerações e a geração Y levou isso ao paroxismo, ao ponto máximo, e inverteu essa questão: a idade não é garantia de nenhuma sabedoria para eles e isso leva a uma série de mal entendidos no sistema de aprendizagem, pois vários professores não conseguem lecionar para essa geração”. O fato de não respeitar a hierarquia, segundo Corso, não deve ser compreendido como um desrespeito, “não se trata disso e, sim, de outra maneira de se portar”.
Na entrevista que segue, concedida à IHU On-Line por telefone, o psicanalista explica que, em geral, os jovens de hoje pertencem a um modelo familiar mais estreito, em que os filhos convivem com a exigência do não fracasso constantemente. “Os pais desta geração colocam os filhos em uma injunção de gozo da vida, ou seja, como eles não têm nada para transmitir, resta ter uma vida para ser gozada. Isso é difícil de levar, porque o gozar a vida se torna um imperativo a partir do qual o indivíduo é obrigado a ter prazer, muito prazer”. Corso também compartilha da opinião de que os jovens da geração Y são mais ansiosos que os de gerações anteriores e esclarece que, na psicanálise, este sentimento é compreendido como angústia e “se instala quando as pessoas não sabem para onde ir”.
Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre - Appoa, Mário Corso é graduado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Escreveu os livros Monstruário (Porto Alegre: Tomo Editorial, 2002), Fadas no divã (Porto Alegre: Artmed, 2006) e A Psicanálise na Terra do Nunca (Porto Alegre: Artmed, 2011), os dois últimos em parceria com Diana Lichtenstein Corso. Confira a entrevista.
IHU On-Line - A partir da sua experiência clínica, que novidades percebe no comportamento da chamada geração Y?
Mário Corso – O que mais me chama atenção nesta geração é a maneira como lidam com o saber. Eles já nasceram com um esquema pedagógico diferente dos outros. Desde pequenos tiveram a liberdade de escolher o que queriam aprender e tudo isso influência no jeito deles viverem. O aluno de hoje pode estudar temas com os quais se identifica e essa influência pedagógica o contamina no bom sentido.
Esses jovens têm uma peculiaridade de não admitir a alteridade do saber, que era uma questão bastante clássica no ensino. Eles percebem o professor como um facilitador, não reconhecem a sabedoria da geração anterior e a tratam de igual para igual, argumentando que essa é uma geração um pouco mais vivida. Aí tem uma influência dos pais, que foram pouco confiantes na sua própria sabedoria e nos valores que tinham de transmitir.
A cultura tradicional de que o ancião era o sábio foi decaindo com as últimas gerações e a geração Y levou isso ao paroxismo, ao ponto máximo, e inverteu essa questão: a idade não é garantia de nenhuma sabedoria para eles e isso leva uma série de mal-entendidos no sistema de aprendizagem, pois vários professores não conseguem lecionar para essa geração.
Para se apropriarem do saber, eles precisam falar sobre aquilo; querem participar da aula, serem escutados pelo professor, mesmo quando não sabem opinar sobre determinado assunto. Mas esse é o jeito deles de se apropriarem da novidade. É outra maneira de se portar e isso gera confusões em aula, porque parece que eles agem com desrespeito, quando, em verdade, não se trata disso, mas, sim, de outra maneira de se portar. A assimetria hierárquica não é respeitada por esta geração; são o avesso do Exército, totalmente democrática e tem dificuldade de perceber e admitir as hierarquias do mundo. São bastante anarquistas no sentido político do ideal de um mundo pouco hierarquizado.
Não sei qual será o resultado deste comportamento. Só podemos analisar os efeitos de uma geração depois de colher os frutos. Sinceramente não há como saber que tipo de sujeito irá se formar.
IHU On-Line – A individualidade também pode ser considerada uma característica desses jovens?
Mário Corso – Não acredito, embora o individualismo esteja consolidado desde o século XX. Diria que a geração Y é mais preocupada com o meio ambiente e é mais fácil convencer um jovem de 20 do que um indivíduo de 70 anos a recolher o lixo seco, por exemplo. Nesse sentido, quem é o mais individualista? Se eles fossem tão individualistas, teriam como ideal um lugar de uma assimetria forte. As pessoas confundem individualismo com egoísmo e com indivíduos autocentrados. Penso que os jovens são um pouco autocentrados; têm dificuldades de aprender com a experiência alheia.
IHU On-Line - Muitos especialistas caracterizam a geração Y como ansiosa. Essa é uma particularidade desta geração, ou pode ser atribuída aos jovens, independentemente do momento histórico em que vivem? Em que medida a ansiedade é um reflexo da cultura de redes?
Mário Corso – Para falar dos jovens de hoje, temos de falar um pouco sobre quem são os pais desta geração. A ansiedade deles está ligada ao tipo de educação que os pais deram, a qual foi bastante vazia. Que valores os pais passaram para esses filhos? Quando perguntamos a alguns pais o que eles querem que os filhos sejam, respondem que desejam a felicidade, que se realizem. Este desígnio é intransitivo. Ser feliz é genérico, não diz nada. Aliás, quem deseja que o filho seja infeliz? Esses pais não dizem absolutamente nada para seus filhos, ao contrário da geração anterior, que transmitia uma visão sólida que orientava em uma direção, embora os filhos optassem, às vezes, por outros caminhos. Os pais desta geração colocam os filhos em uma injunção de gozo da vida, ou seja, como eles não têm nada para transmitir, resta ter uma vida para ser gozada. Isso é difícil de levar, porque o gozar a vida se torna um imperativo a partir do qual o indivíduo é obrigado a ter prazer, muito prazer. Não é à toa que esta geração vive num crescente momento de relações toxicômanas. Se a questão básica é a busca pela felicidade, porque não usar um atalho perfeito como a droga? Penso que a falta de rumo destes jovens foi dada pela geração anterior, que não conseguiu traduzir para eles alguns valores. É uma geração frustrada pelo que conseguiu na vida e encarrega os filhos de fazer por eles. A geração Y pertence a uma família nuclear mais estreita e os filhos não podem falhar. Os pais esperam muito deles e a exigência do não fracasso está sempre presente.
Essa é uma juventude mais ansiosa que a anterior, tem muita pressa de viver. A pressa, na psicanálise, é compreendida como angústia e se instala quando as pessoas não sabem para onde ir. Quanto menos se sabe para onde ir, mais pressa se tem.
Nunca se viveu tanto e por que ter tanta pressa? Antigamente, a expectativa de vida era muito menor e quem tinha 50 anos era considerado velho e tinha netos. Hoje em dia, aos 50 anos estamos na metade da vida e só se é velho aos 80.
IHU On-Line – Percebe algum conflito social entre as diferentes gerações? Pode-se falar em mudanças nas relações familiares a partir do comportamento e dos valores da atual geração de jovens?
Mário Corso – Os jovens não saem de casa tão cedo porque o conflito de gerações acabou. No conflito clássico da década de 1960, havia gerações diferentes, que tinham impossibilidade de conviver. Hoje, as gerações não são tão diferentes e vivem sob os mesmos padrões de vida.
Um jovem pode fumar maconha em casa porque os pais têm um discurso de que é melhor transar em casa do que na rua. Antes, esses assuntos eram impensáveis e o impulso de sair da residência era a impossibilidade de conviver. Hoje, não há essa ruptura. Se bem que esta geração impõe limites por meio do corpo: alguns se tatuam muito e a partir disso delimitam o corpo como uma forma de dizer que não pertencem mais ao pai e à mãe, embora vivam na residência paterna.
Enquanto os filhos moram com os pais, eles não se responsabilizam por uma série de atividades. Essa geração prolonga a infância e a adolescência e é levemente contraditória: muito principista em algumas questões de independência, mas, na prática, rompe pouco com os pais.
Alguns assuntos são fronteiras difíceis e eu não sei como pensar: parece que essa aceleração do mundo e essa questão de fazer experiência é assimilação de uma aceleração do mundo moderno e do capitalismo avançado. Por serem mais frágeis, talvez os jovens sejam facilmente cooptados pelo consumo.
Os jovens de hoje também se diferenciam bastante em função da virtualidade. A rede social se dá de uma maneira distinta. É mais fácil ser diferente hoje porque a tecnologia proporciona mais chances de se conectar com outros diferentes. Se antes as gerações estavam mais condenadas a uma corrente principal de ideias, hoje é mais fácil encontrar a sua excentricidade. O que diferencia esta geração é a capacidade de se comunicar com pessoas distantes. Essa conexão era impensável antigamente. Parece que essa relação terá um efeito positivo.
Percebo que o jovem é o que é não pelo que ele faz. Antigamente, a profissão dava mais identidade aos indivíduos. Os jovens não se inclinam para uma profissão e ela tem menos sentido para eles. Ao falar com um jovem, ele conta vários aspectos de sua vida e por último fala de sua profissão.
IHU On-Line - Como o senhor vê a necessidade desta geração por constantes avaliações em relação ao seu desempenho?
Mário Corso – A essência do humano é o reconhecimento. Não sei se essa geração busca mais aprovação do que a anterior. Entretanto, buscam aprovação entre eles, querem ser aceitos muito mais pelo grupo do que pelos pais. Aí está uma diferença: enquanto as gerações anteriores buscavam mais aprovação dos pais, esta se preocupa com a opinião do grupo da geração deles.
IHU On-Line – Resumidamente, que valores norteiam o comportamento da geração Y?
Mário Corso – Não sei se os valores deles se diferenciam muito dos da geração anterior. Penso que eles tendem a acreditar mais em uma ética visível. Acreditam menos no discurso que uma pessoa é capaz de dizer do que nas ações concretas e cotidianas. Eles parecem preocupados com a ética e a verdade. Não estão preocupados com o que se diz, mas com o que se faz. A minha geração esteve mais voltada para os ideais, enquanto esta tem menos ideais. Esta, porém, está preocupada com o comportamento e se ele é condizente com o discurso.
Fonte: IHU
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