Beijar sem amor - Bruno Franguelli
Um dos gestos que mais reflete a beleza do que sentimos em nosso coração por alguém é o beijo. Aliás, gesto este que não considero ser exclusivo dos seres humanos. Alguns dias atrás, observei atento e atônito um momento íntimo de carinho entre duas tartarugas. Ao contemplar este incrível acontecimento, me recordava das palavras de Teilhard de Chardin: “toda a criação está amorizada por seu Criador!” E as tartarugas me provaram isso!
Beijar é imprimir amor no outro! Permitir que os desejos dançantes do nosso coração sejam inscritos na face ou nos lábios daqueles que amamos. É comprometer-se com quem se ama. Alguns pais costumam presentear seus filhos com um beijo no rosto. Do mesmo modo, de acordo com cada cultura, com um beijo na face costumam expressar-se as amizades mais íntimas. Já os romances se nutrem com um beijo distinto: comunhão de lábios. Quando estas atitudes se dão em total comunhão de afetos, fidelidade e entrega, elas se elevam à dignidade de sacramentos. Sim, isso mesmo, sinal visível daquilo que não podemos expressar com palavras. Quando o beijo amigo ou o beijo "eros" reflete essa comunhão, deixa de ser apenas um gesto qualquer, transforma-se em reflexo do amor apaixonado de Deus. Se você tem alguma dúvida sobre isso, basta ler as apaixonadas páginas do livro dos Cânticos dos cânticos!
Mas, infelizmente, existe também o beijo infecundo, estéril. Aquele que se dá sem o verdadeiro desejo de comprometer-se. É dado sem fidelidade, sem amor: o beijo precipitado da balada; do desespero solitário; sem comunhão de corações; o beijo da traição.
Beijo da traição...
Aquele que Jesus recebeu de um de seus amigos mais íntimos, que o entregou, o mutilou, o matou. Beijo este forjado no desejo de vingança, de violência, de terror. Beijo dado na noite escura do Mestre, não para consolá-lo, mas para atirá-lo para fora da vida. Talvez para os que presenciavam o beijo de Judas, aquele gesto significava apenas uma demonstração de carinho. Talvez até elogiassem a atitude de Judas. Eles não podiam ter acesso ao coração traidor do apóstolo. Mas Jesus conhecia seu íntimo, por isso, com a dor da traição do amigo, seu coração começava a morrer. O gesto que aparentava vida, na verdade era a atitude mais concreta de quem desejava a morte do amigo.
Os gestos em si não refletem a pureza de suas intenções. Para que sejam sacramentos eles precisam ser provados junto às ferrugens dos passos mantidos por amor e fidelidade. Estes são beijos, abraços, olhares que provocam vida, doação e verdadeira comunhão de intimidade.
Quando isso acontece...
A dor e a solidão do nosso Getsemani é suportável e há sentido suficiente para que nossos lábios continuem sorrindo. E então, compreendemos com profundidade o significado das palavras de Teilhard de Chardin:
“Toda a criação está amorizada por seu Criador!”
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