Vergonha alheia
Sigo com interesse o programa The Voice Brasil na Rede Globo. Programas de calouros são criação do rádio, muito anteriores ao surgimento da televisão. Existe até uma história muito saborosa envolvendo Elza Soares e Ari Barroso em 1950. Elza, com 13 anos de idade e um filho doente que viria a morrer de fome, foi como caloura ao programa que Ari apresentava na Rádio Tupi. Elza, uma menina pobre, magrinha e mal vestida, ao entrar foi recebida com uma pergunta pelo apresentador:
- De que planeta você vem, minha filha?
- Do planeta fome.
O resto é história.
Qualquer brasileiro que ouviu rádio ou assistiu televisão nos últimos 80 anos sabe o que é um programa de calouros. A pessoa acha que tem algum talento e se apresenta para um grupo de “jurados” que premiará ou punirá a performance. Não sei como era antes, mas lembro de vários programas, especialmente do Chacrinha, um dos que mais abusava dos calouros, levando pessoas sem qualquer talento para serem ridicularizadas em público. Aquilo era divertido e no meio das baixarias sempre aparecia alguém que fazia o velho guerreiro perguntar:
- Vai para o trono ou não vai?
A alma daqueles programas era a vergonha alheia que sentíamos por gente que soltava a voz desafinada em público. E quanto mais feia, mal vestida e desengonçada a pessoa, mais sucesso fazia.
A vergonha alheia é causada pelos tais neurônios-espelho, que simulam em nosso cérebro as mesmas sensações de medo, prazer, alegria e vergonha que observamos em outras pessoas. E parece haver um prazer mórbido em ver alguém passar um constrangimento. Não é que gostemos de ver, é que a situação nos traz o prazer do alívio daquele “ainda bem que não foi comigo.”
Mas os marqueteiros da mídia há muito descobriram essa fascinação mórbida e tiram todo proveito para garantir audiência. Ou as vídeo-cassetadas do Faustão são o quê? O processo de seleção de programas como Ídolos? As bebedeiras e baixarias do Big Brother Brasil? Claro, a cada demonstração de constrangimento alheio a audiência sobe...
Muito bem. Mas o The Voice Brasil é diferente. O programa é focado no mérito e não tem um processo de seleção que mostra gente ruim. Os “calouros” são de altíssima qualidade, gente que canta excepcionalmente bem. O resultado é que não existe vergonha alheia, só admiração plena e a torcida pelos melhores entre os melhores. Raul Gil tem há anos algo parecido em seu programa, mas sem a plástica, sem a audiência, sem a produção e o enredo que a Globo apresenta.
Quando termino de assistir ao The Voice Brasil, fica a sensação boa de ter visto gente competente desempenhando seu melhor. Muito melhor que sentir vergonha alheia.
Não haverá uma lição aí?
Fonte: Portal Café Brasil
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