O despertamento da consciência no contexto do Ensino Religioso e atividades práticas da Pastoral

Faz alguns dias dei uma entrevista, por email, a uma professora de nossa escola que precisava fazer uma pesquisa de campo sobre o “despertamento da consciência”. Era pra uma apresentação na pós-graduação. Segundo ela, o material abaixo enriqueceu sobremaneira as discussões realizadas e disse que os professores envolvidos nos parabenizaram pela profundidade do trabalho dela. Depois de reler, consegui ver com mais clareza o que havia escrito. E não é que ficou interessante mesmo?! Taí...postei. 
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1º) Qual a função que desempenha nessa instituição? 
Coordenador de Pastoral. 

2º) Há quanto tempo você trabalha nessa instituição? 
Desde agosto de 2006, ou seja, 6 anos. 

3º) Você trabalha com quais públicos? 
Estudantes (crianças, adolescentes e jovens), professores, funcionários, técnicos, gestores, famílias, fornecedores e público externo. 

4º) Quando surgiu o seu interesse pelo trabalho que desenvolve? 
Desde a adolescência, quando me engajei na minha comunidade paroquial de origem. Paralelamente, era estudante do Marista, que sempre privilegiou o cultivo da espiritualidade e do compromisso social na sua proposta educativa. 

5º) O que você entende por consciência? 
A consciência é a característica mais original do gênero humano. Através dela é que se potencializam os valores que lhe são mais caros, desde que superados níveis mínimos de condições de sobrevivência biológica, já que, em situação de risco de morte, parecem dominar aspectos subconscientes e até inconscientes, ligados mais ao instinto. É graças à consciência que o ser humano é capaz de ser livre, pois se habilita a protagonizar uma busca provocada por ela mesma: o desejo de ser feliz. Neste caminho, precipitações e erros são cometidos como parte de um aprendizado contínuo e é no campo da reflexão que são depurados e esclarecidos. Neste sentido, é a consciência a “pedra de toque” da qualidade das decisões que tomamos, com uma ressalva: a consciência é como um “músculo”, quanto mais a usamos, mais “forte” fica, do contrário, atrofia...e descaracteriza o que temos de mais original da condição humana. Sendo assim, mais do que “despertamento”, concebemos um continuum mais parecido a um “fitness intelectual-espiritual-emocional-ético”, com uma exigência cotidiana. 

6º) Como a consciência se configura no ensino dessa instituição? 
Para nossa instituição, é mais que a consciência como ente ou característica humana. O movimento da “conscientização” é que ganha maior evidência nos processos de ensino desta instituição, a saber: para nós o ensino é mais que apreensão de uma rede de determinados conhecimentos consagrados num currículo socialmente aprovado. É, sobretudo, modificação desses conhecimentos, criação e invenção de outros necessários para entender aquilo que denominamos realidade. Essa dinâmica é a que marca a finalidade última desta intituição: empoderar os educandos de sua vida, história, responsabilidades e vocação. 

7º) De que maneira a instituição busca desenvolver a consciência dos seus educadores e estudantes? 
O suporte de um projeto político pedagógicopastoral que evidencia - e faz valer no cotidiano - princípios como liberdade, autonomia, fraternidade, engajamento social e cultivo da espiritualidade dão o suporte para que toda a escola se compreenda num movimento de conscientização. Num mundo em que a informação é super abundante e de fácil acesso, a instituição pretende estabelecer referências para a construção pessoal de “filtros” que habilitem o discernimento do que seja significativo e faça sentido para a vida de cada um. A diferença de interlocutores (estudantes ou professores) ocasiona diferenças em razão dos repertórios, mas não nas intencionalidades originais. 

8º) É possível através do Ensino Religioso despertar a consciência individual e coletiva dos colaboradores e estudantes? Explique. Se possível cite três exemplos vivenciados por você que foram mais significativos e demonstram essa possibilidade. 
Antes de tudo, é preciso compreender qual a natureza do que chamamos Ensino Religioso (ER). Para nossa instituição, trata-se de um componente curricular (assim como matemática, história, geografia, física, química, etc.) que, regulamentado pelo MEC, tem caráter científico. Isso significa que seu objeto de estudo é o “fenômeno religioso”, sendo vedadas todas as propostas que objetivem “catequizar” ou “ensinar doutrinas” específicas dessa ou daquela religião. Esclarecido o parâmetro, podemos, sim, afirmar que a aula de ER tem excelentes possibilidades de despertar a consciência individual e coletiva de estudantes, pois, à maneira das ciências humanas, tem vasto campo para o estímulo ao engajamento comunitário, seja ele social, político ou mesmo religioso. Isto, claro, se entendemos a experiência de “engajamento” como resultado de uma decisão pessoal refletida e discernida pela consciência. Um exemplo: O professor de ER, ao falar sobre símbolos religiosos, descreveu a “decoração” dos lares das famílias soteropolitanas típicas: ferraduras atrás de portas, pirâmides nas mesas de centro da sala, pequenos budas nas estantes, imagens de santos populares e, claro, a bíblia aberta na sala, geralmente no salmo 23 ou no salmo 91. A cara de surpresa pela “adivinhação” do professor despertou nos estudantes a atenção ao característico sincretismo cultural-religioso do povo brasileiro e, especialmente, do baiano. Isto, me parece, é aprender e apreender algo que “me situa existencialmente” e, portanto, “me conscientiza”. 

9º) Há algo que queira acrescentar sobre o trabalho que desenvolve nessa instituição? 
Acredito que qualquer instituição educacional precisa ter como horizonte o estímulo a que cada um de seus integrantes (educandos e educadores) construa seu Projeto Pessoal de Vida (PPV). Mais do que um “sonho”, um PPV é capaz de colocar-nos em contato, ao mesmo tempo, com nossa intimidade, com o contexto que nos envolve e com aquilo que desejamos para o futuro. Dessa maneira, alimentados pelos aprendizados cotidianos próprios da escola (aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser) estaremos habilitados a desenvolver um processo de conscientização que nunca termina. Talvez, como crêem os cristãos, nem com a morte.

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