Verdades absolutas e tolerância - Stephen Kanitz
Artigo publicado dias depois dos atentados de 11 de setembro nos EUA...
Esta não é a primeira guerra de fé, de crença, de ideologia que vemos nem será a última. Um dos flagelos do mundo moderno é a crença em que alguns podem mudar o mundo, à nossa revelia, simplesmente porque acham que descobriram teorias que explicam e resolvem os nossos problemas.
A certeza dessas teorias os induz a tomar o poder por qualquer meio, inclusive o terror, para colocar as suas teorias e idéias em prática. "A ciência vencerá" tem sido uma bandeira de muito intelectual.
Quando essas teorias fracassam, especialmente as econômicas, políticas e sociais, a culpa é atribuída a uma variável que não foi considerada, uma relação de causa e efeito esquecida, ou a um erro do "modelo" empregado. Não se questiona que talvez não exista o Santo Graal da verdade absoluta.
Mais pessoas morreram no último século em guerras ideológicas, como o fascismo, o nazismo e o socialismo - que tinham fundamentos elaborados por grandes intelectuais - do que em todas as guerras de conquistas territoriais promovidas por tiranos incultos.
Hoje, já se começa a desconfiar que ninguém jamais será o dono da verdade. Nunca mais haverá alguém que saberá o todo, nem Fernando Henrique Cardoso nem ninguém. O mundo é por demais complexo para tal. Ninguém poderá mais afirmar que sabe o que é melhor para você, pois não existem verdades absolutas, somente hipóteses que ainda não foram refutadas, a sugestão de Karl Popper.
Kurt Goedel piorou ainda mais a situação quando provou que nenhum sistema ou teoria consegue provar as premissas nas quais se baseia. A melhor teoria depende infelizmente de uma premissa não comprovável. O que não significa que não possamos acreditar em mais nada. Simplesmente precisamos ter mais cuidado com aquilo em que acreditamos.
Professores gastam mais tempo apresentando teorias do que discutindo as premissas em que elas se baseiam, às vezes nem chegam a ser mencionadas.
No futuro, peça a seu professor para devotar mais tempo discutindo as premissas iniciais, pois normalmente é aí que reside o ponto fraco. É muito mais fácil provar os teoremas de Pitágoras do que discutir a premissa da existência de Deus.
Por isso, a verdade absoluta é sempre uma questão de fé, e fé não se discute. A verdade, como argumentam os existencialistas, é sempre uma escolha pessoal. A verdade, por incrível que pareça, é individual.
Para complicar ainda mais nossas incertezas e confusão, não há, segundo Goedel, cientista, economista ou professor totalmente neutro, por mais que tente sê-lo. O mundo seria menos confuso se todo professor ou intelectual informasse em que partido milita, antes de emitir uma opinião ou verdade absoluta.
Os conflitos religiosos e culturais serão sempre cruéis e não se resolverão por diálogo. Não dá para provar quem tem a razão. As verdades religiosas são tão poderosas porque a premissa básica é sempre Deus, premissa inquestionável por definição.
Osama bin Laden se considera esclarecido e ético, opõe-se aos americanos que ele, e muitos ao redor do mundo, consideram antiéticos. Ele consegue justificar plenamente as mortes que causou, porque "os fins justificam os meios", frase repetida nas nossas universidades. Ele não tem dúvida de que está absolutamente certo, como muita gente por aí.
Embora o mundo não seja como você gostaria que fosse, lembre-se de que o seu ideal de mundo talvez não seja o que outros estão almejando. A solução dos conflitos não reside na guerra, mas na tolerância, ninguém sabe qual mundo é o melhor, por mais convicto que esteja.
Portanto, se você pretende fazer um mundo melhor, desconfie um pouco mais das teorias, aprimore seu próprio faro e senso de observação, reavalie de tempos em tempos as suas premissas, e seja muito tolerante.
Fonte: www.kanitz.com.br
Publicado na Revista Veja, Editora Abril, edição 1723, ano 34, nº 42, 24 de Outubro de 2001, página 22.
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