A primeira Páscoa da minha vida

Não me lembrava. Essa semana fui atrás de confirmar informações para fazer este texto, sobre Páscoa. Pensei que já tivesse escrito sobre o 25 de março de 1997, o dia divisor de águas da minha vida, que tem a ver com a essência da experiência pascal de qualquer pessoa: Deus me ama. E me ama incondicionalmente. Não. Nunca havia escrito linha sobre isso, pelo menos de maneira sistemática. Até pensava que tal data era uma quinta-feira de Quaresma. Não era, era terça, e Terça-feira Santa. Me arrepiei.

O texto mudou. Minha limitada memória se havia precipitado. O que pensava ser a primeira páscoa, agora é, em verdade, a segunda. E sabe que faz mais sentido?!

Vinte-cinco-de-março-de-mil-novecentos-e-noventa-e-sete é, ao lado do nascimento do meu filho e do meu casamento, um dia com nome próprio, verdadeiro substantivo. Quando me lembro dele, surgem em mim sensações, vibrações e emoções das mais impactantes. Conecto-me a um cenário de encanto, profusão de amor, de sentir-me amado e - ao mesmo tempo - necessidade de fazer as outras pessoas experimentarem o mesmo que eu. Foi efusivo, bonito e, principalmente, transformador. Alguns estudiosos diriam que passei por uma metanoia. Concordo, pois me define até hoje.

Participava de um grupo de oração já fazia uns meses. Às vezes não entendo o que me fazia perseverar naquele grupinho pequeno, cheio de velhinhas e sem nem música para atrair os meus ouvidos juvenis. Não sei. Sei que, quando não ia, ficava com peso terrível na consciência o resto da semana. O caso é que no dia acima anunciado (Terça-feira Santa), no horário costumeiro, saí de casa, a pé, para a capelinha onde havia a reunião. De longe, percebi que as luzes estavam apagadas. Pensei: "Ué, não vai ter grupo hoje?! Mas não me disseram nada?!" Parei. Pensei em dar meia volta. Mas continuei, segui adiante, graças a Deus. Chegando mais próximo, percebi que na verdade havia faltado energia, e que apenas velas iluminava o interior da capela. Foi meio mágico. Apenas toquei o pé dentro da capela, senti um frio na barriga que me anunciou desde aquele momento: " - essa não será uma noite comum". De fato. Grupo iniciado, sem música (como sempre), nem microfone, sequer luz elétrica e um calor piorado pelos ventiladores desligados, a coordenadora disse, repetidamente: "Vinde Espírito Santo!". Pronto. Bastou para entrar numa conexão que, hoje, chamo mística. Algo inédito para mim. Me emocionei, chorei profusamente.
Talvez tenha durado dois minutos, pensando melhor uns quarenta. Na verdade, não tenho a mínima ideia. Se posso sintetizar aquela mística de forma mais compreensível, diria: a partir daquele momento eu descobri que Deus me amava, não porque alguém me dizia, mas porque eu experimentava. Após essa experiência impactante, parece brincadeira, mas imediatamente voltou a energia. As luzes todas se acenderam de uma vez e os ventiladores começaram a refrescar o interior abafado daquela capelinha dedicada a São Diogo. Ali eu ainda não sabia, mas era uma pessoa totalmente transformada. O mundo podia permanecer igualzinho, mas os meus olhos...nossa Senhora! Quanta diferença em tudo que eu enxergava! No dia seguinte, acordei com uma vontade enorme de fazer bem às pessoas, inclusive ao meu irmão. Incrível! Subia no ônibus e começava imediatamente a rezar por cada pessoa ali dentro. Na escola, não me continha e, espontaneamente, entre uma aula e outra, passei escrever na lousa o quanto Jesus amava a cada jovem. Na praça, um mendigo dormindo no chão, me fez ter o impulso de tirar a farda para cobri-lo melhor. A insensibilidade costumeira foi aplastada por um instigante senso de responsabilidade por todos aqueles que viviam na rua, indignamente. Não eram mais estranhos. Eram meus irmãos!

Na vida é raro conseguirmos captar, com nitidez, quando deixamos de ver, pensar e agir de determinada maneira e passamos a fazê-los de outra. O comum é que isso se dê progressivamente, com o tempo e ao sabor dos temperos encontrados nos momentos diversos que a vida nos apresenta. O que distingue esse tipo mais natural de evolução da metanoia, me parece, é justamente a clareza do "quando". Pois bem. Poucas coisas na vida me são tão evidentes.

A Páscoa pretende anunciar esse "quando", esse "momento" de passagem. Da morte à vida, da escuridão à luz, da ignorância à sabedoria, da mentira à verdade. Decerto que datas são assessórios informativos. A própria Igreja prefere não definir uma data fixa para a Ressurreição, opta por seguir o ritmo mutável do calendário lunar, isto é, a primeira lua cheia da primavera no hemisfério norte, que todo ano muda. Por uma convenção, o calendário ocidental foi organizado a partir do nascimento de Jesus de Nazaré, mas - no fundo - o nascimento do Cristo (que não foi em dezembro) só adquire transcendência em razão da Paixão, Morte e - especialmente - Ressurreição do filho de Maria e José. Esse é o ineditismo. Essa é a novidade. Essa é a Boa-Nova!

Esse texto nasceu com uma vontade inicial de relatar minha primeira páscoa. No meio do caminho  descobri que, aquilo que eu pensava era, na verdade, a segunda. Termina, como muitas outras coisa de nossas vidas, de maneira inesperada, não planejada, conforme a inspiração do Espírito. Fazendo-me partilhar, com júbilo, a potência do pleno convencimento do que orienta minha fé, minha vida:

" - Jesus ressuscitou, Ele vive! Aleluia!"


Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

Comentários

  1. Braga, que lindo texto! Muito tocante e verdadeiro ! Parabéns por escrever tão bem e fazer o leitor sentir como se estivesse vivenciando tb! Forte abraço, Xênia

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    1. Xênia, não sabia que você tava comentando meus textos...só agora tô percebendo...que legal! Fico lisonjeado. Por favor, não pare! Bjus.

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