Por que não funciona? - Alfredo Roberto Marins Júnior
“Teoria é quando se sabe tudo e nada funciona.
Prática é quando tudo funciona e ninguém sabe o porquê.
Neste recinto, conjugam-se teoria e prática: nada funciona e ninguém sabe porque”
Autor Desconhecido
A área de projetos de peças para automóveis, assim como a medicina ou o marketing, tem métodos próprios para a realização de tarefas. Mas algumas delas, geralmente desconhecidas para aqueles que não são ligados à área, seriam interessantes para o nosso cotidiano.
Uma delas é a "Análise do Modo e Efeito da Falha Potencial". Calma, eu sei que o nome dito assim de supetão assusta, mas o conceito é simples. Pense na execução de uma tarefa, qualquer uma. Como não consigo ouvir o que pensou, sugiro a tarefa de levar a família à praia. Agora, divida esta tarefa em pedaços menores: providenciar hospedagem, arrumar as malas, realizar a viagem de ida, permanecer lá uma semana e realizar a viagem de volta.
Então para cada "porção", imagine o que pode falhar: (por isto potencial; pode acontecer não é sinônimo de vai acontecer) você pode, por exemplo, pagar adiantado pela hospedagem, e o lugar ser terrível. Durante a viagem um pneu pode furar, o carro pode dar problema ou você pode se perder. Durante a sua estadia pode chover, e na volta o trânsito pode ser infernal.
Aí começa a ficar interessante. O passo seguinte é tomar duas atitudes: uma que previna a ocorrência do problema e outra que resolva o problema, caso ele aconteça. Seguindo o exemplo, pode-se fazer uma revisão no carro e ter à mão o telefone da seguradora; verificar o estado dos pneus e manter o estepe, macaco e chave de rodas de fácil acesso. Veja que eu escrevi e, não ou, pois é preciso prevenção e correção para minimizar os problemas.
Esta sistemática é utilizada no projeto de todo veículo, para cada conjunto, subconjunto e peça, por menor que seja.
Incrível, não é mesmo?
Então, creio que a pergunta mais instigante nesta situação seria: se tudo isto é feito para cada componente, por que há bancos traseiro que cortam dedos de usuários, freios que falham e caixas de direção travam? Por que tanto recall?
Porque as montadoras de veículos recebem cada subconjunto de fornecedores diferentes e cada um deles contribui com uma pequena quantidade de variáveis não controladas ou não controláveis. Assim, há uma crescente desordem que atua minimamente em cada componente, fazendo com que o todo falhe pelo somatório das micro-falhas.
Veja o seu computador, por exemplo. Uma série de componentes eletrônicos regidos em harmonia por um sistema operacional. Você escreve, salva, imprime e alguns instantes depois, sem qualquer explicação, ele trava, o arquivo some e a impressora mastiga papel.
E se as grandes falhas são a soma das pequenas, quanto mais complexo é um sistema, mais variáveis incontroladas ou desconhecidas ele possui. É aí que chegamos onde eu queria: à complexidade do ser humano, com seus milhões de variáveis, sem controle, sem explicação, sem análise potencial.
E aos escritores dos mitos, numa época de medicina rudimentar, de tecnologia limitada, de ciência confundida com misticismo, tentando explicar a si mesmos, suas origens, as cheias do rio Nilo que traziam vida em abundância, as secas prolongadas que causavam muitas mortes. Explicar a própria morte.
Vejo latente no mito das gerações dos deuses egípcios, a crescente desordem das pequenas variações acumulando-se em grandes confusões. Rá representa a força primordial, era perfeito, criador de si mesmo, imortal e eterno.
Sua saliva gerou o ar e a umidade. Deuses primordiais, etéreos, incorpóreos e essenciais para a subsistência humana. Eles, por sua vez (e por acréscimo de variáveis) geraram o céu e a terra, deuses “humanizados” com mais paixão que compaixão. Ficavam tão unidos que nada poderia nascer entre eles.
Por fim a quarta geração, os bisnetos de Rá. Aqueles nos quais as variações destrutivas mais tiveram efeito. Osíris casou-se com sua irmã Ísis, e foi assassinado pelo próprio irmão Seth.
Mas vamos com calma, uma história por vez.
Senão não funciona.
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