A origem do mau - Alfredo Roberto Marins Júnior
“Nada é bom ou mau se não for por comparação.”
Thomas Fuller
Houve uma época em que desenho animado era coisa de criança. Já não é mais. As animações mais sofisticadas elaboradas digitalmente poupam o trabalho dos desenhistas manuais e abrem espaço para a discussão com metáforas de situações bem adultas.
Só como exemplo, cito a animação "Megamente", da Dreamworks. O personagem, que dá nome à animação, é um bebezinho, que ao mais autêntico estilo “Superman”, salvo da destruição iminente de seu planeta, sendo enviado pelos pais, numa cápsula à Terra.
O problema é que há um rival em igual situação que pousa, após uma tranqüila viagem, suavemente na casa de uma família de classe alta, enquanto a cápsula de Megamente cai num presídio.
Ele cresce entre criminosos, e na escola, em vez de ser educado, é maltratado e discriminado por ser diferente. Num dado momento ele se dá conta de que a única coisa que consegue fazer bem, é ser mau.
Uma versão modernizada do conceito elaborado por Jean Jaques Rousseau no século 18: “o bom selvagem”. A idéia de que o homem que nasce virtuoso e a sociedade o degenera.
Esta é fundamental diferença entre os velhos desenhos animados e as novas animações digitais. Permanecem as cenas cômicas, ainda há a interação dos personagens com a trilha sonora, mas na base de tudo, está uma questão filosófica tão antiga quanto a humanidade.
Afinal, por que existe o mau? Não “o mal”, não a ausência do bem ou a negligência dele, mas o mau, o ser humano mau, a figura mítica má, a divindade maligna.
E a causa da queda do personagem que dá nome à animação é ainda mais antigo que o conceito de Rousseau: o sofrimento causado pela inveja de um modelo ideal. Megamente não é mau. Ele torna-se mau. Ele passa a querer destruir aquilo que ele queria ser, mas não pôde.
Há uma dúzia de exemplos míticos para esta situação, mas para não ficar repetindo-os, focalizo apenas um: os filhos egípcios da Terra e do Céu, Osíris e Seth.
Enquanto Osíris, é o deus mais conhecido do Antigo Egito, é a representação encarnado do sol, é o deus da fertilidade e do renascimento, tem um nome cujos significados variam de "Aquele que ocupa um trono", a "O Poderoso", Seth era deus da violência, desordem, traição, ciúme, guerra, e das serpentes.
Enquanto o domínio de Osíris eram as terras ao redor do Nilo, Seth governava o deserto. O primeiro ensinava aos seres humanos as técnicas da agricultura e a domesticação de animais, sendo por isto venerado, Seth só tinha ao seu redor oprimidos e injustiçados.
Osíris amava Ísis e era correspondido, enquanto as más línguas diziam, em egípcio antigo, que Seth fora traído por sua esposa Néftis.
Certamente haveria de nascer desta antítese, alguma fúria.
É claro que as atitudes de Seth não são justificaveis, assim como Rousseau não está completamente correto. É claro que há a influência social na formação do indivíduo, mas há também alguma centelha, boa ou má em cada um que guia escolhas e faz tomar decisões em certas direções.
Assim chega-se a um paradoxo aparentemente insolúvel: as influências externas tornam maus os nasceram bons, ou a centelha maligna no indivíduo o faz procurar justamente estas influências para lapidar o que ele já tinha em si?
E chega também o fim deste artigo, mas não da história de desavença e ciúme do irmão soturno e malvado que por inveja do irmão bonzinho, criou um caos.
Nada mais humano.
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