Como ser Estúpido - André Camargo

"A experiência é cada vez mais rara por excessos de opinião."
Jorge Larossa Bondia

Você pode ser capaz de relembrar cada gol de Pelé. Ser profundo conhecedor da biografia de Maradona, ou de Mané Garrincha, e ter opiniões bem fundamentadas sobre o Barcelona de Messi. Pode até esconder no guarda-roupa uma camisa autografada do Neymar. Nada disso, entretanto, significa que você sabe jogar futebol. 

Seria ridículo comparar Ayrton Senna a Galvão Bueno, por exemplo: uma coisa é possuir vasto conhecimento sobre algo; coisa bem diferente é saber algo. 

Pois bem. Estudar Filosofia é algo mais do que saber tudo a respeito de Sócrates, Platão e Aristóteles. Ou Kant, Nietzsche e Wittgenstein. Isso é História da Filosofia. O algo mais é o método filosófico: aprender a construir o pensamento com rigor. Em um livro interessante, embora nem sempre confiável – Quem sou eu? E, se sou, quantos sou? Uma aventura na filosofia – o autor fala de um de seus professores:
Ele me ensinou a perguntar “por que” e a não me satisfazer com as respostas rápidas. E meteu na minha cabeça que minhas sequências de pensamentos e meus argumentos não deviam ter lacunas, de maneira que cada passo devesse se fundamentar o mais solidamente possível no anterior.
Filosofar envolve as ‘boas práticas’ do pensar, sistematizadas ao longo de milhares de anos – possivelmente a partir de Hermes Trimegisto, na antiga civilização egípcia – por meio da experiência de gerações e gerações de algumas das mentes mais brilhantes que já andaram por aí. 

No primeiro caso, você reproduz – com maior ou menor exatidão, dependendo da sua competência. No segundo caso, você produz. Mesmo que as ideias filosóficas possam revelar-se extremamente complexas, é mais simples chegar a compreender os grandes sistemas filosóficos do que produzir reflexões originais com método e rigor conceitual. Mais fácil, portanto, ser especialista em História da Filosofia do que praticar Filosofia. Mais precioso um Ayrton que um Galvão.

Ainda mais raro é sobretudo ir além do prazer puramente intelectual (de se sentir inteligente) e dedicar seu tempo a questões relevantes – que efetivamente contribuam para compreendermos algo a respeito desta existência e para levarmos vidas com sentido. Isso é sabedoria. 

A despeito disso – da dificuldade de se pensar com rigor, mesmo entre especialistas – é impressionante como hoje todo mundo tem opinião sobre tudo. Você pega uma rede social como o Facebook, por exemplo, ou os vários fóruns temáticos espalhados pela net – as pessoas cospem convicções a torto e a direito sem se voltarem, minimamente que seja, para o processo de pensamento que sustenta suas conclusões. 

É muito grito apaixonado para pouco amadurecimento reflexivo. 
Portanto, assim como no futebol, o exercício da Razão também tem suas regras – não é só sair chutando de bico. Ser estúpido é andar por aí espalhando suas verdades, ‘cheias de som e de fúria’, apoiadas sobre um vazio lógico, histórico ou conceitual. A coisa pode até impressionar – mas não se sustenta. 

Bons estudantes de Filosofia costumam ser craques em desmascarar argumentos falaciosos, ou seja, os tropeços do raciocínio lógico. Existe um conjunto reconhecível deles. A melhor receita para ser estúpido é praticá-los sistematicamente. 

Pretendo abordar algumas destas falhas, com exemplos, em textos posteriores.

Comentários

  1. Excelente André! O texto inteiro é saboroso, mas a frase abaixo me deu um "clique".

    "É muito grito apaixonado para pouco amadurecimento reflexivo."

    Lido com adolescentes todos os dias e é incrível o tanto de gritos apaixonados por causa do fardamento, do horário de aula mais cedo, da "marcação" do auxiliar de disciplina...enfim.

    É normal e razoável esse tipo de grito dos meninos e meninas. Enquanto educador, me sinto desafiado e instigado a provocar uma metamorfose nesse padrão de comportamento, a partir deles mesmos, maieuticamente, digamos.

    Pasmo eu fico com o mesmo tipo de paixão e irreflexão dos pais. Não raro, sobre as mesmas adolescentes demandas...e aí não tem maiêutica que funcione.

    "Eu tô pagando" é, em geral, uma boa síntese do que - para mim - se revela o mais alto grau de estupidez.

    Na raça e na paz Dele,
    J. Braga.

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