Para des-anestesiar qualquer professor

Essa foi des-anestesiadora! Bela reflexão. É revoltante um professor ser tão humilhantemente tratado pelo "Mercado" quando comparado a esse perfil de "trabalhador". Dizem que ele (Mercado) paga melhor a quem se situa em posição mais estratégica para seu próprio desenvolvimento. Dito isso, nada mais a declarar. 
------------------


“Se as portas da percepção estivessem limpas, 
tudo apareceria para o homem tal como é: infinito..”
William Blake

Quando a anestesia acaba 
Alfredo Roberto Marins Junior

Ao atingir o grau máximo de sua reflexão, Sidarta tornou-se Buda, o iluminado. Sua maior realização, segundo a narrativa, foi alcançar a completa libertação, superando o apego aos sentidos, derrotando a ignorância e ultrapassando a existência física, que é pura ilusão.

Há quem diga que todo escritor tem suas obsessões. Não sei se posso ser considerado um escritor pelo parco material que aqui produzo, mas quando um dia o for efetivamente, as obsessões eu já terei.

A primeira foi o mito de Ahasverus, o judeu errante. Segundo narra a lenda, era um sapateiro que acompanhava a via-crúcis. Quando Jesus tentou descansar na soleira de sua porta enquanto carregava a cruz, Ahasverus o enxotou, por medo dos soldados. O Senhor teria lhe dito então: “Eu vou, mas tu permanecerás até que Eu volte.” Ele tornou-se então precito e desterrado, imortal e condenado a vagar sem lugar de repouso. Li as variantes diversas desta história e memorizei o poema de Castro Alves que leva este nome.

Depois disto, passei à outra: a ilusão da percepção de realidade. A possibilidade da distorção, porque afinal de contas, nossa percepção da realidade é filtrada pelos nossos sentidos. Se eles forem enganados, acreditaremos numa “falsa realidade”.

Algumas pessoas já tentaram alterar esta percepção. Alguma vez em sua vida, você já deve ter ao menos ouvido falar da banda “The Doors”, cujo vocalista era Jim Morrison. Pois este nome veio do livro de Aldous Huxley “The doors of perception” (As portas da percepção). Narra-se que Huxley teria escrito o livro sob influência da mescalina, um alucinógeno natural presente num cacto chamado peiote. Ele dizia que o peiote lhe abria as portas da percepção e tudo lhe parecia diferente.


Devo dizer que isto acontece comigo às vezes. Não consumir peiote, mas a alteração da percepção. E nem é preciso muito. Basta que a minha cota de sono esteja muito abaixo do normal e as minhas portas da percepção se abrem. Ocorre que dormi somente três ou quatro horas neste fim de semana. Some-se a isto a mudança para o horário de verão e na segunda-feira a realidade pareceu-me insuportável.

Senti por um dia inteiro a suspensão da anestesia cerebral causada pela rotina e pela monotonia dos dias iguais. Passei a reconsiderar meus objetivos pessoais, minhas metas, relacionamentos, comportamentos e, para meu artigo não parecer um capítulo arrancado de um livro de auto-ajuda, não descreverei maiores detalhes. 

Somente citarei o caso mais insuportável.

Quase no fim do dia, resolvi folhear uma revista na sala de espera de um consultório médico. Uma matéria chamada “Tudo por dinheiro” atraiu minha atenção. Ela apontava e valorizava a participação de artista em ascensão em eventos diversos.

Foi assim que descobri, que um ator da finada novela das 8, dissimulou numa festa de música eletrônica uma participação como disc-jóquei. Dissimulou, porque ele não tinha a habilidade necessária e portanto, não fez nada. O equipamento que manipulava estava desligado. Quem realmente conduziu a festa foi um disc-jóquei profissional oculto numa cabine.

A presença do ator cujo personagem estava em ascensão na novela era somente um chamariz, um apelo, um engodo pelo qual ele embolsou R$10.000,00 (segundo a revista) por 90 minutos de dissimulação.

Um valor (se verdadeiro) superior ao salário mensal de um Professor iniciante, com Doutorado de uma universidade pública. Foi o ápice da realidade distorcida que eu pude perceber. Um ator que usa da sua aparência para praticar uma ato falso é mais bem remunerado que um especialista que dedicou a sua vida inteira ao estudo e pesquisa.

Uma farsa que não produz nada de significativo ou útil à sociedade é mais valorizado que um educador que forma mentes pensantes. (Obs.:15 de outubro foi o dia dos professores. Quem lembrou-se disto?)

É ou não uma realidade insuportável? Acho que o tempo está agravando os meus já acentuados mau-humor e pessimismo.

Ou então é só o sono.

Comentários

Postagens mais visitadas