Fixing Broken Windows - Consertando as Janelas Quebradas: uma reflexão sobre o comportamento humano
Publiquei esse texto, mais longo, ano passado como "Tolerância Zero". Mas o que me chamou atenção dele foi o trecho que posto aqui: uma conversa interessante sobre a Teoria das Janelas Quebradas, sua ascensão, declínio e - como diz o título da postagem - seu conserto. Tem sido uma reflexão permanente para mim nesses tempos. Olhar o que aconteceu com as comunidades de morros cariocas rendidas pelo tráfico e a retomada de suas vidas após a supressão dos criminosos (independente de politicagem) é uma ilustração potencialmente acessível a todos no Brasil. Identificar, relacionar e ressignificar essa ideia nos contextos que nos circundam é, quem sabe, a necessidade mais proeminente. Leia e tire você mesmo suas conclusões. Os créditos são do Luciano Pires.
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Em 1969, na Universidade de Stanford nos Estados Unidos, o Prof. Phillip Zimbardo realizou uma experiência de Psicologia Social.
Deixou dois carros abandonados na via pública dois carros idênticos, da mesma marca, modelo e até cor.
Um ficou no Bronx, numa zona pobre e conflituosa de Nova York e o outro em Palo Alto, uma zona rica e tranquila da Califórnia. Dois carros idênticos abandonados, dois bairros com populações muito diferentes e uma equipe de especialistas em Psicologia Social estudando as condutas das pessoas.
Resultado: o carro abandonado na zona pobre do Bronx começou a ser vandalizado em poucas horas. Perdeu as rodas, o motor, os espelhos, o rádio e tudo mais. Levaram tudo o que fosse aproveitável e aquilo que não puderam levar, destruiram. Contrariamente, o carro abandonado em Palo Alto manteve-se intacto.
É comum atribuir à pobreza as causas de delito, atribuição em que coincidem as posições ideológicas mais conservadoras, (da direita e esquerda). Mas a experiência com dois carros abandonados não terminou aí.
Quando o carro abandonado no Bronx já estava desmanchado e o de Palo Alto estava há uma semana impecável, os investigadores quebraram um vidro do automóvel de Palo Alto.
O resultado foi o mesmo que o do Bronx: o roubo, a violência e o vandalismo reduziram o veículo ao mesmo estado que o do bairro pobre.
Por que o vidro partido do carro abandonado num bairro supostamente seguro é capaz de disparar todo um processo delituoso?
Não se trata de pobreza, portanto. Evidentemente é algo que tem a ver com a psicologia humana e com as relações sociais.
Um vidro quebrado num carro abandonado transmite uma idéia de deterioração, de desinteresse, de despreocupação, ideia que vai quebrar os códigos de convivência, de respeito às leis e à ordem. Cada novo ataque que o carro sofre reafirma e multiplica essa idéia, até que a escalada de atos cada vez piores se torna incontrolável, desembocando numa violência irracional.
Em experiências posteriores James Q. Wilson e George Kelling, desenvolveram a "Teoria das Janelas Quebradas", a mesma que de um ponto de vista criminalístico, conclui que o delito é maior nas zonas onde o descuido, a sujeira, a desordem e o maltrato são maiores. Se um vidro de uma janela de um edifício é quebrado e ninguém conserta, muito rapidamente estarão quebrados todos os demais. Se uma comunidade exibe sinais de deterioração e isto parece não importar a ninguém, então ali se gerará o delito.
Se se cometem "pequenas faltas" como estacionar em lugar proibido, exceder o limite de velocidade ou passar um semáforo vermelho e as mesmas não são punidas, então começam as faltas maiores e logo delitos cada vez mais graves. Se se permitem atitudes violentas como algo normal no desenvolvimento das crianças, o padrão de desenvolvimento será de maior violência quando estas pessoas forem adultas. Se os parques e outros espaços públicos deteriorados são progressivamente abandonados pela maioria das pessoas, que deixa de sair das suas casas por medo da criminalidade, estes espaços abandonados são ocupados pelos delinquentes.
A Teoria das Janelas Quebradas foi aplicada pela primeira vez em meados da década de 80 no metrô de Nova York, que havia se convertido no ponto mais perigoso da cidade.
Primeiro combateram as pequenas transgressões: pichações deteriorando o lugar, sujeira nas estações, bêbados, não pagamento de passagem, pequenos roubos e desordens. Os resultados foram evidentes. Começando pelo pequeno delito conseguiu-se fazer do metrô de Nova York um lugar seguro.
Em 1994, Rudolph Giuliani, prefeito de Nova York, baseado na Teoria das Janelas Quebradas e na experiência do metrô, impulsionou uma política que ficou conhecida como “Tolerância Zero”.
A estratégia consistia em criar comunidades limpas e ordenadas, não permitindo transgressões à Lei e às normas de convivência urbana. O resultado prático foi uma enorme redução de todos os índices criminais na cidade de Nova York.
A expressão “Tolerância Zero” soa como uma espécie de solução autoritária e repressiva, mas o seu conceito principal é muito mais a prevenção e promoção de condições sociais de segurança.
Não se trata de linchar o delinquente, nem da prepotência da polícia. Na verdade, a respeito dos abusos de autoridade deve-se também aplicar a tolerância zero. Não é tolerância zero em relação à pessoa que comete o delito, mas tolerância zero em relação ao próprio delito. Trata-se de criar comunidades limpas, ordenadas, respeitosas da lei e dos códigos básicos da convivência social humana.
Não obstante o extraordinário sucesso da "Operação Tolerância Zero" na diminuição da criminalidade em Nova York, há veementes críticos desta política criminal. Os críticos sustentam que essa política oprime apenas os pobres, os necessitados e as minorias. Trata-se de evidente equívoco.
Em 1996, o psicólogo criminologista George Keling, em conjunto com Catherine Coles, lançou a obra definitiva sobre a teoria das janelas quebradas: Fixing Broken Windows - Consertando as Janelas Quebradas. Nesta obra, o autor demonstra a relação de causalidade entre a criminalidade violenta e a não repressão a pequenos delitos e contravenções. Assim como a desordem leva à criminalidade, a tolerância com pequenos delitos e contravenções, leva, inevitavelmente à criminalidade violenta.
Keling e Coles são claros ao afirmar que o problema não é a condição das pessoas, mas sim o seu comportamento. O que se busca coibir é o comportamento que causa desordem e que prepara o terreno para a ascensão da criminalidade. Não importa, portanto, a condição da pessoa, mas sim sua conduta.
No entanto, os críticos questionam porque se preocupar com mendicância agressiva, lavagens de parabrisas não solicitadas, embriaguez pública, quando a violência anda solta nos grandes centros urbanos.
Acaso estariam procurando bodes expiatórios para a violência?
Helen Hershkoff, da União Americana das Liberdades Civis critica uma legislação que, tratando de maneira equivocada o problema da pobreza, termina por proibir que os necessitados simplesmente peçam dinheiro.
A conduta de um indivíduo causador de desordem numa comunidade devia ser protegida porque, em última análise, ele tem direito de ser diferente, e sua liberdade de ser diferente deve ser protegida pela justiça. Os interesses da comunidade não podem sobrepor-se aos direitos e liberdades individuais de uma pessoa.
Nas alegações de que o objetivo de manter a ordem nada mais é do que uma forma de opressão aos pobres e às minorias, Kelling e Coles identificam o resultado de décadas do crescimento de um individualismo sem limites. Produtos deste crescimento seriam a primazia do indivíduo e o seu direito de ser diferente uma ênfase nas necessidades e direitos individuais e a crença de que tais direitos seriam absolutos. Também identificam a rejeição a uma moralidade média dos cidadãos americanos e, por fim, a noção de que considerar indivíduos como criminosos os estigmatizaria e os tornaria realmente criminosos.
A desordem cresceu, se expandiu e foi tolerada porque virtualmente todas as formas de desvios comportamentais não claramente violentos foram considerados sinônimos de expressão individual, e, como tal, supostamente protegidas pela primeira emenda da constituição dos Estados Unidos.
No entanto, Kelling e Coles afirmam que a demanda por ordem permeia todas as classes sociais e grupos étnicos. Quando os usuários do metrô exigiram a restauração da ordem nas estações subterrâneas não eram os banqueiros ou os tubarões de Wall Street que estavam reclamando. Estes, afinal, tinham outras alternativas. Foram os trabalhadores, principais usuários do sistema, que exigiram a restauração da ordem e da segurança.
Os que advogam a restauração da ordem não estão propondo alguma forma de tirania da maioria. Referem-se, isto sim, a comportamentos que violam padrões de comportamento largamente aceitos por uma comunidade, e sobre os quais há um consenso, sem qualquer conotação racial, étnica ou de classes.
Além disso, a desordem tem conseqüências mais graves em comunidades pobres e, portanto, estas são justamente as que mais precisam de ordem a fim de evitar o aumento da criminalidade. Uma comunidade rica tem certas condições de manter um estado de ordem que uma comunidade pobre não tem, como, por exemplo, a contratação de segurança privada.
É muito mais fácil consertar uma janela quebrada em uma comunidade rica do que em uma comunidade pobre. Portanto, antes de oprimir os pobres e minorias, a restauração e manutenção da ordem, em verdade, vêm em seu auxílio. A relação de causalidade entre desordem e criminalidade é mais forte do que a relação entre criminalidade e pobreza ou minorias raciais.
Para o controle da criminalidade, portanto, a restauração da ordem é imprescindível. Pobreza não deve necessariamente significar crime e desordem.
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