A maldição midiática - Tão Gomes
'Diploma de jornalismo é idiotice'. Foto: Flickr |
Se for um especialista escrevendo, digamos, sobre biologia, já não é um texto de jornalista.
O especialista em biologia teria de passar pode suas idéias numa entrevista a um jornalista. Com um intermediário, aí já se configuraria a prática do jornalismo. Entenderam?
Não? Não tem importância, até porque uma das coisas mais difíceis de se explicar é o que é a profissão de jornalista.
Num texto recente aqui no site da Carta Capital, o Gianni Carta, nosso editor, mexeu no assunto e recebeu toneladas de comentários. Não perguntei, mas creio que na maioria favoráveis à exigência do diploma.
O Gianni Carta provocou a ira das massas quando disse que o escocês Andrew Marr, ex-editor do The Independent e da revista Economist, tem a que eu acho a mais feliz definição do jornalista: “Tirando o crime organizado, o jornalismo é a mais poderosa e agradável anti-profissão”.
Gianni já vai avisando que Andrew Marr causaria um grande alvoroço no Senado brasileiro.
Inclusive porque não é jornalista. Formou-seem letras. E os senadores tupiniquins (faz tempo que não uso essa palavra…) já aprovaram, na Comissão de Justiça, uma emenda constitucional que exige o porte (a palavra “porte” está muito bem colocada aqui) do diploma de jornalista para o indivíduo ou a individua ser considerada um/uma profissional.
Ninguém nasce com a vocação de jornalista. Podem ver os primeiros garranchos dos seus filhos, quando têm 2 ou 3 anos, e portanto ainda algum discernimento.
Tem de tudo ali: casinha com chaminé, retrato da mãe (grandona) e do pai (pequenininho), aviões, o sol e seus raios, etc… Nenhuma criança nessa idade desenharia o ambiente tenso, enfumaçado, cheio de ratazanas, que caracterizariam uma redação.
O que um diploma acrescentaria na vida de um jornalista?
Ah…sim. Aprenderia que um jornalista precisa ser 100% ético (gargalhadas, gargalhadas, quase engasgo) além de isento e objetivo (de novo, gargalhadas, pô, dessa vez engasgo mesmo).
Ético, isento e objetivo…. Como são, é claro, os senhores senadores. Bastaria ver como funcionam as Comissões de Ética do nosso Congresso. (toss…toss)
Para ser ético, o jornalista não deveria ter opinião sobre coisa alguma. Deve tomar o cuidado de colocar qualquer ideia ou afirmação entre aspas.
Aliás é o que se vê hoje na chamada grande imprensa. Uma sucessão interminável de declarações sempre entre aspas.
Haja saco, com perdão da palavra.
Qual professor de curso de jornalismo teria a coragem de explicar ao seu aluninho que ele precisa muitas vezes se fazer de idiota para obter uma informação: “… mas então foi assim que o senhor conseguiu essa abóbora gigante?
Fingir-se de bobo é a técnica usada por um dos maiores repórteres brasileiros de todos os tempos, o Zé Hamilton Ribeiro, que a pratica com freqüência no Globo Rural.
Outro item importante é pertencer aos “sindicatos de setoristas”, ou seja, depois de uma coletiva, já na sala de imprensa, é preciso combinar com os coleguinhas como cada um vai usar o que o entrevistador disse.
Isso evita que um improvável repórter inovador chame a atenção para algum detalhe, além de padronizar o texto dos vários jornais, que, em tese, são concorrentes.
Outra coisa que o jornalista precisa aprender no curso: numa entrevista, as respostas devem ser mais longas do que as perguntas. A não ser no caso do entrevistado ser mudo…
Isso tudo é “ensinável” num bom curso de jornalismo.
O resto, infelizmente senhores senadores, ninguém ensina a ninguém.
A curiosidade específica, o nunca se dar por vencido, o de acreditar duvidando e especialmente o ato de escrever bem, e fácil, isso não se aprende no colégio. Isso o cara nasce sabendo.
E o velho truque de usar a emoção para agarrar o leitor pelas quatro patas, que eu repetia sempre desde o tempo em que adestrava focas.
Quantos aprenderam?… Poucos.
Depois, velho, cidadão só vira jornalista quando todas as outras portas se fecharam para ele.
É a chamada maldição midiática.
E ainda querem exigir diploma para isso.
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.
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