Educação, Inteligência e Sabedoria

O mundo não precisa de pessoas mais inteligentes - André Camargo

Existem muitos equívocos no modelo pedagógico predominante. Depois de uma ressalva necessária, vou examinar um ponto que me parece crucial. 

A ressalva é de cunho social: no Brasil temos escola de rico e escola de pobre. A primeira serve para produzir ricos, enquanto a segunda serve para produzir pobres. Este estado de coisas reflete a desigualdade social no país e a aprofunda. Quanto mais ricos se tornam os poucos mais ricos, maior o contingente de pobres e miseráveis necessários para sustenta-los.

Eis a ressalva. A meu ver, toda reflexão sobre Educação no Brasil precisa partir daí; não levar em conta esta lógica subjacente tende à alienação ideológica ou ao artificialismo estéril. À parte umas poucas exceções, são tamanhas as diferenças entre as escolas dos ricos e as escolas dos pobres, que parece impossível tratar o conjunto como uma coisa só. A esse respeito, recomendo o documentário Pro mundo nascer feliz, que expõe a situação de modo direto, e também a obra-prima Cuidado: Escola!, produzida por uma equipe de educadores ligados a Paulo Freire. 

Feita a ressalva, vamos ao ponto crucial. Seja em um ou em outro caso, nossas escolas favorecem o desenvolvimento do intelecto em detrimento de dimensões tão ou mais importantes, tais como a afetividade, a religiosidade, a vivência do estético e do sagrado, a integração entre corpo e mente, as atividades práticas da vida cotidiana, as habilidades manuais, a educação financeira, a conexão com os ciclos da natureza, a participação política, a sensibilidade, desejos, impulsos e vida sexual, a criatividade, a saúde mental, as relações consigo mesmo, com os outros, com a comunidade e com os sistemas que sustentam a vida no planeta, para citar alguns. São aspectos em geral ausentes dos currículos e tratados apenas de forma indireta ou tangencial. 

A sabedoria é a inteligência da inteligência. Não depende de conhecimento ou erudição. Com frequência, pessoas com pouca ou nenhuma educação formal se revelam mais sábias que formidáveis intelectuais. A sabedoria nos permite examinar nossos objetivos e avaliar se vale a pena persegui-los. 

Nossos melhores alunos se tornam capazes de processar grandes quantidades de informação e de refletir criticamente, estabelecer relações e produzir conhecimento válido. No entanto, o desenvolvimento cognitivo é só uma parte da história. Basta observarmos que pessoas muito competentes, formadas no interior deste modelo pedagógico, são responsáveis por decisões, em várias esferas, que acentuam os conflitos e contradições do mundo atual. 
Este mundo degradado, de apropriação de recursos públicos por interesses privados e depredação dos ambientes comuns, necessita menos de astúcia e mais de sabedoria. Este é o ponto crucial. 

Neste contexto, vale a pena examinar a diferença entre inteligência e sabedoria. A inteligência nos permite resolver problemas e atingir objetivos. A extraordinária expansão da tecnologia é um exemplo disso – do triunfo deste modelo de Educação. Por outro lado, é igualmente necessário questionar se este rumo que está tomando a humanidade, de desenvolvimento econômico, científico e tecnológico, é verdadeiramente um caminho de paz e felicidade para todos ou se, ao contrário, acaba gerando mais sofrimento, a despeito de seu brilho. 

A sabedoria é a inteligência da inteligência. Não depende de conhecimento ou erudição. Com frequência, pessoas com pouca ou nenhuma educação formal se revelam mais sábias que formidáveis intelectuais. A sabedoria nos permite examinar nossos objetivos e avaliar se vale a pena persegui-los. Se nossas ações conduzem de fato à realização de nossos anseios mais íntimos, se nossas relações melhoram ou se, ainda que alcancemos nossas metas, no final das contas, descobrimos perplexos que não nos tornamos mais felizes nem às pessoas próximas a nós. 

A sabedoria, portanto, corresponde a uma visão ampla, não-fragmentada da realidade. Está ligada à capacidade de produzir felicidade, em nós e nos outros. Ser feliz, por sua vez, significa sentir-se vivo e vibrante, satisfeito de ser, simplesmente. Não depende de fatores externos.

Diz-se que, a cada geração, estamos nos tornando mais inteligentes. A contrapartida é que também estamos nos tornando mais angustiados – haja vista a incidência preocupante de depressão, síndrome do pânico, obesidade, anorexia e a espantosa distribuição de medicamentos para atenção e hiperatividade em cada vez mais crianças, cada vez mais jovens. Precisamos parar e nos perguntar por que, afinal, nossa inteligência não está nos tornando mais felizes.

Como seriam nossas escolas se, ao invés de focarem a inteligência, adotassem a produção de sabedoria – e de felicidade genuína – como referenciais? Que tipo de mundo criaríamos se, no lugar de ensinarmos o consumo e a competição, praticássemos coletivamente, pais, alunos e educadores, o exercício da aceitação, do acolhimento, da generosidade, do desapego, da bondade amorosa e da compaixão?

O mundo não precisa de pessoas mais inteligentes; precisa de mais gente sábia.

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