Sobre Ciência e Religião - André Camargo

Respeito Ciência e também respeito Religião. Aliás, mais do que respeito, são criações humanas que me encantam – e pratico ambas. Só não tenho paciência com cientistas (ou pseudo-cientistas) que se comportam como fanáticos religiosos nem com religiosos (ou pseudo-religiosos) que tratam as verdades da fé como verdades científicas. Acho estranho um cientista atacar a religião, assim como me parece bizarro religiosos que desacreditam fatos revelados pelo método científico. 

É igual aos skinheads que espancam homossexuais – porque se sentem ameaçados na própria orientação sexual. Quando vejo algo assim, portanto, já desconfio da cientificidade do cientista ou da religiosidade do religioso, assim como desconfio que a truculência do careca esteja escondendo alguma coisa. 

Em suma, opor ciência a religião é uma grande bobagem. Cada qual tem sua esfera de validade e uma coisa não exclui a outra. Não há relação de dependência, nem antagonismo, mas de complementariedade. Se eu estiver precisando operar o joelho, não vou procurar um monge; tampouco irei ao neurologista em busca de um sentido para a vida. 

Não há hierarquia entre ciência e fé. A ciência abrange métodos para obter respostas das coisas práticas: desenhamos um experimento, observamos os procedimentos com rigor, coletamos as respostas, fabricamos uma teoria que unifique os resultados obtidos e publicamos, para que o conjunto seja validado ou refutado por pares. O método científico tradicional é uma maneira de estabelecermos diálogo com a realidade, em busca de seus caprichos.
No caso das ciências humanas, as coisas costumam ser diferentes. Em função da própria natureza de seu objeto de estudo – o humano – o método científico próprio às ciências da natureza (com seu apelo ao materialismo e à objetividade) sofre sérias limitações. A ciência humana envolve necessariamente a hermenêutica, ou seja, trata-se de um método interpretativo, em maior ou menor grau. A cientificidade das ciências interpretativas está no contínuo refinamento do método e na sofisticação das teorias, que dependem explicitamente de validação intersubjetiva, isto é, do atrito de ideias salutar com outros pesquisadores qualificados. Na ciência humana, a subjetividade não pode ser escondida. 

O modelo científico é adequado para explicar como as coisas funcionam, mas limitado para explicar o que são as coisas (sua natureza última) e os porquês (por que o universo existe, por exemplo). Daí a necessária articulação com ramos da Filosofia como a teoria do conhecimento, a ontologia e a antropologia filosófica, por exemplo. Seria fundamental, por outro lado, que os cientistas estudassem História da Ciência e também Psicologia, Sociologia, Antropologia e Psicanálise, para compreender o papel da subjetividade na produção de conhecimento científico. O bom cientista, ao invés de fugir da subjetividade, reconhece sua inevitabilidade e aprende a usá-la em seu favor. 

Já a religião não deve ser explicativa - não no sentido de um conhecimento supostamente objetivo do mundo. Não é para isso que serve a Religião. Tratar Deus como fato científico é uma estupidez. A boa religião é inseparável da experiência mística - de transcendência e comunhão com o sagrado, e isso independentemente de quem é o seu Deus, quem são seus deuses, ou mesmo se você não está a fim de falar de Deus nenhum. Do modo como eu vejo, a experiência do sagrado é dimensão fundamental da condição humana, seja você ateu, agnóstico, ou o que for. 

Em um mundo desencantado como o nosso, porém, a religião tende a se esvaziar da experiência mística, que lhe dá sentido, e vira discurso dogmático. Então, passa a sofrer dos problemas da institucionalização, em particular da disputa de poder político e econômico. Não é diferente, entretanto, do que acontece nos corredores de qualquer boa universidade!...

Em suma, opor ciência a religião é uma grande bobagem. Cada qual tem sua esfera de validade e uma coisa não exclui a outra. Não há relação de dependência, nem antagonismo, mas de complementariedade. Se eu estiver precisando operar o joelho, não vou procurar um monge; tampouco irei ao neurologista em busca de um sentido para a vida. 

De todo modo, as disciplinas científicas, religiosas ou filosóficas só indicam direções gerais. Para usar uma metáfora tradicional, as filosofias e religiões são como dedos que apontam a lua. Não devemos focar o dedo. E só podemos ver a lua com nossos próprios olhos. 

O que procuramos não pode ser encontrado em nenhuma destas atividades humanas. Ainda que existam saberes e ensinamentos fundamentais em nosso caminho de dar um sentido à vida, o que procuramos não pode ser encontrado fora, mas apenas naquilo que nos faz sentir vivos, vibrantes e felizes. É simultaneamente para dentro e para fora que precisamos aprender a olhar.
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

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