A TEORIA DOS 4 RÊS
Na época do apagão durante o governo FHC, um de nossos grandes diários estampou a manchete:BELGO MINEIRA PREVÊ QUEDA DE PRODUÇÃO DE 5%. A matéria dizia que a Belgo havia feito exercícios com base em cenários possíveis do apagão e concluíra com a estimativa de queda. No meio da matéria, a frase profunda e definitiva do presidente da empresa:
- O fato é que não temos certeza de nada...
Perdi meu tempo lendo. Alguém perdeu escrevendo. Todos os consumidores de aço tomaram um susto com o título...e ninguém tinha certeza de nada....
Você já parou para analisar como as informações fluem por sua vida diariamente? Que grande impacto recebemos de notícias que até minutos atrás não tinham a menor importância e de uma hora para a outra tomam conta da imprensa e passam a causar mudanças de comportamento? Já tentou entender a dinâmica?
Pois somos pródigos, nós brasileiros, em pensar pouco e agir muito. Damos aos fatos dimensões muito maiores do que as que realmente eles deveriam ter. E nessa esteira de ignorância, que a gente teima em chamar de entusiasmo, vamos criando um cenário de samba do crioulo doido, onde ninguém consegue explicar como é que certas coisas acabam acontecendo.
Me divirto sempre que lembro daquele fatídico janeiro de 1999, quando da desvalorização do Real, que quebrou a perna de muita gente. Os econoqueiros ( de economista + vaqueiro: que leva a boiada para onde quiser) logo começaram a pregar que ia acontecer isto e aquilo porquê no México tinha sido assim, na Coréia assado e aqui não ia ser diferente. Dólar alto, inflação alta e desemprego alto.
Poucos dias depois, lá estava o Malan na TV, preocupado, porquê o dólar estava baixando ( isso mesmo, baixando!) rápido demais...
O Brasil não apenas NÃO repetiu o que aconteceu com os outros países, como recuperou-se numa velocidade impressionante. E os econoqueiros ficaram sem saber o que falar.
Mas nesse embalo, sobrou para todos nós. Mais uma vez o Brasil ia quebrar. E rápido.
E lá fomos nós:
- Suspendeareformacancelaaviagemnãovaiaocinemanãocompraatvnãotrocadecarro...
Lá vem o Brasil, descendo a ladeira...
Temos memória curta. Temos baixa estima. Temos complexo de inferioridade.E além disso, ouvimos o galo cantar, não se sabe onde, mas por via das dúvidas já levantamos e vamos pra roça.
E naquele pós 11 de setembro? Meus amigos que vivem nos EUA eram unânimes em afirmar que sentiam medo da guerra, do Antraz, do Bin Laden, quando assistiam a Globocabo, a Rede Globo transmitida por satélite. O noticiário brasileiro era alarmante, exagerado, gritado, carregado nas tintas...e lá vai o Brasil, descendo a ladeira.
Li naquela época a declaração de um senador americano, dizendo mais ou menos o seguinte:
- O número de pessoas que morreu nos Estados Unidos hoje, atingidas por raios, é maior que o total de infectados pelo Antraz. Este país precisa se acalmar
Lúcido, não? "Ah, mas espere amanhã", diriam os esclarecidos. E no Brasil, por via das dúvidas, já tinha gente estocando mantimentos por conta da guerra atômica que viria.
Pois desenvolvi uma teoria, que sempre tento aplicar quando recebo informações de qualquer que seja a fonte. É a teoria dos 4 Rês, cujo enunciado é: Notícias sem relevância; passadas por gente que não tem responsabilidade; aceitas por todos sem reserva, obtém ressonância desproporcional.
Assim que leio, ouço ou vejo uma notícia, busco mentalmente passar por um filtro que tem 4 palavras começadas por "RÊ".
1. Relevância: que importância tem essa notícia ou fato para mim, minha comunidade, meus amigos, meu país, o mundo?
2. Responsabilidade: quem é a fonte dessa informação? Que responsabilidade tem quem a está passando para mim? Que autoridade ou credibilidade tem essa fonte, para que eu nela acredite?
3. Reserva: com que cuidados devo receber essa notícia? Que tipo de precaução devo tomar antes de acreditar e sair agindo?
4. Ressonância: como devo disseminar essa notícia? Que tipo de amplitude devo dar a ela?
Então, no Brasil é assim: notícias sem a menor relevância, passadas para nós por gente que não tem a menor responsabilidade, aceitas por todos sem a menor reserva, obtêm uma ressonância desproporcional. Quatro rês que baixam a cotação da bolsa; aumentam o dólar; derrubam o ministro; quebram a empresa; protelam o crescimento; fecham a escola; aumentam o desemprego...com base em versões que nós mesmo transformamos em fatos que fazem todo mundo correr para tentar evitar o inevitável.
Me lembro da história do velho senhor em seu leito de morte dizendo:
- Minha vida foi repleta de grandes problemas, a maioria dos quais nunca aconteceu.
Tente aplicar a teoria dos 4 rês quando você se deparar outra vez com aquelas afirmações de que "temos aqui cents milhões de miseráveis"ou "pelo andar da carruagem, vamos ter zints milhares de desempregados"ou "no final do ano o dólar vai estar a mibs reais" ou "prevemos o crescimento de glics por cento no PIB".
Aplique-a toda vez que você ler, ouvir ou observar uma afirmação que começa com um "eu acho" ou "na opinião de fulano". Dê uma checada nas referências e fontes. Olhe as tendências e não os números absolutos; procure entender o contexto e, principalmente, esteja certo do seguinte: qualquer um de nós, do alto de nossa ignorância, tem a mesma chance de acertar as previsões alucinadas que qualquer desses econoqueiros, políticos ou criaturas abençoadas por Deus que saem por aí espalhando seus "eu achos", têm.
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.
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