Simulacros - Alfredo Roberto Marins Junior


“O progresso técnico deixará apenas um problema: 
a fragilidade da natureza humana.”

Karl Kraus


Sanjna era a deusa hindu do amanhecer e das nuvens. Seu marido era Surya o deus sol. Por causa disto, sua vida estava muito longe de ser sombra e água fresca. Cada vez que ele se aproximava, a luminosidade e calor eram insuportáveis. Sem contar o fervor interno que fazia com que o deus a desejasse constantemente.

Insatisfeita com tal situação, ela aproveitou da distração do marido e apanhou um pouco da própria sombra, gerada por tanta luz. Quando ele saiu, ela moldou uma réplica sua a partir daquela sombra, deu-lhe o nome de Sanjna Chaya, a deixou em seu lugar realizando os trabalhos domésticos e saiu caminhando. 

Não demorou muito para que Surya voltasse cheio de desejo como sempre e percebesse que aquela não era sua mulher, mas uma réplica mal feita, um simulacro. Ele encontrou a verdadeira mulher e mais vigoroso que nunca a engravidou de gêmeos.

Algo semelhante acontece na mitologia grega. Bêbado, o rei Íxion resolveu assediar a esposa de Zeus, a rainha dos deuses. Hera, percebendo as intenções do visitante alertou Zeus, que com um bom-humor excepcional, forjou uma cópia de sua própria esposa usando uma nuvem. Deixando-a com Íxion, este a fecundou. Desta relação bizarra entre um rei mortal e uma cópia-nuvem da deusa, nasceu a raça dos Centauros: torso de homem e pernas de cavalo. Estúpidos e brutais.

Em comum, estas histórias demonstram o desastre conseqüente do uso de simulacros, de cópias grosseiras, reproduções imperfeitas. 
Mas o que me fez recordar estas histórias foi um contraste entre dois lugares que visitei no último final de semana: um Museu vazio e um Shopping Center lotado.

Ao primeiro, o Museu de Arte Contemporânea de Campinas, fui para apreciar uma exposição de protótipos baseados nas obras de Leonardo Da Vinci. Réplicas em madeira dos projetos de um bate-estacas, um barco com pás, máquina de medir velocidade do vento, arco-balestra, ponte giratória e duas máquinas voadoras, além de réplicas da Última Ceia e do Homem de Vitrúvio.

Ao segundo, fui para uma tentativa frustrada de assistir ao novo filme de Woody Allen: Meia Noite em Paris.

Além de mim, no Museu quase vazio, havia um pai dedicado tentando transmitir algum conhecimento ao filho curioso. Ele explicava com a paciência de quem ama ensinar (ou ama o aluno) o funcionamento mecânico de cada obra e os detalhes das pinturas.

Além de mim, no Shopping incrivelmente lotado, havia centenas de simulacros de pessoas que, enquanto caminhavam escreviam mensagens de texto em celulares, manipulavam jogos nos aparelhos ou ouviam músicas com os fones enterrados nos ouvidos. 

Sim, simulacros de pessoas. Alienadas simbioses de homem e tecnologia em tal grau de dependência da modernidade digital, que acabam por alienar-se ainda mais. Enviam mensagens a outros simulacros a quilômetros de distância e não são capazes de se dar conta de quem está ao seu lado. Impessoalidade e indiferença são as marcas mais comuns destes simulacros.

Não, nada tenho contra a tecnologia. Acho que ela simplifica nossas vidas, nos permite resolver problemas de forma rápida e encontrar facilmente informações preciosas. E por conta disto deveríamos ter mais tempo livre para apreciar obras de arte, por exemplo.

No entanto preferimos direcionar este tempo preciso ao consumo de mais tecnologia e por escolha própria, jogamos no lixo a oportunidade de um desenvolvimento humano, direcionando nossa disposição a um condicionamento voluntário a este tipo de equipamentos sem os quais grande parte da população não consegue ficar.

Acessórios que validam estes homens-simulacro como aptos para o mundo tecnológico, já que ele é determinado pelos equipamentos que pode comprar.

Réplicas imperfeitas do homem que prefere se distinguir pelo que ele pode consumir, não pelo que ele pode conhecer.
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

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