Quem é bom em algo não precisa forçar que percebam
Com naturalidade - Alfredo Roberto Marins Junior
“O poeta municipal discute com o poeta Estadual
qual deles é capaz de bater o Poeta Federal.
Enquanto isso o Poeta Federal tira ouro do nariz.”
Carlos Drummond de Andrade.
qual deles é capaz de bater o Poeta Federal.
Enquanto isso o Poeta Federal tira ouro do nariz.”
Carlos Drummond de Andrade.
Você se prepara para uma prova. Uma avaliação final. Estuda, pratica, executa a avaliação e recebe uma nota boa. Não excelente, mas boa. Satisfeito vai mostrar sua prova a um colega de classe e ele tirou a mesma nota. Você fala da sua preparação, do empenho para aquela nota. Ele diz que nem estudou.
Em outra circunstância numa conversa informal, você comenta que terminou de ler um livro complexo. Um Crime e Castigo de Dostoievski, por exemplo. E alguém lhe diz que leu este livro aos quinze anos.
Você realiza um trabalho manual qualquer: conserta uma parte do carro, pinta um portão, planta um jardim e acaba por perceber que seu vizinho faz o mesmo, em menos tempo e sem as ferramentas adequadas.
As particularidades de cada situação? Respectivamente que a obtenção de uma nota sem muita dedicação, pressupõe um resultado superior ao do aluno dedicado; a leitura de um livro complexo na juventude pressupõe uma maturidade intelectual precoce e que a capacidade de realizar um ato com menos recursos confere ao executor uma habilidade maior.
Mas há algo de comum nas três situações: a suposição de uma capacidade inata, um talento natural, da manifestação espontânea de um dom que estava ali, latente e que aflorou, sem esforço, sem precisar de treino nem prática.
Creio na possibilidade deste dom, mas não na sua constante presença na ordem natural das coisas. Há sim, “Mozarts” e “Einsteins”, indivíduos fora do comum com um forte traço desta habilidade que souberam como fazer bom uso dela.
E creio também que tentar dissimular, fingir uma habilidade natural para passar-se por alguém dotado de uma capacidade supra-humana que se trata com descaso, é falsa modéstia e necessidade de autoafirmação.
É necessário ser natural, simples como foi certa vez o deus Shiva, na criação do Ganges, o sagrado rio da Índia.
Narra o mito, que o rei Bhagiratha, invocou por muito tempo a deusa Ganga, para que esta descesse à terra e purificasse seus ancestrais que haviam sido amaldiçoados por um profeta.
Ela aceitou, mas seu poder era tão grande que sua descida abalaria as fundações da terra. Os deuses pensam em diversas formas para reduzir a intensidade deste poder e abrandar sua violência, para que esta pudesse tornar a terra fértil.
A solução veio de Shiva: bastava que a deusa (com toda sua violência) caísse sobre sua cabeça. Os cachos do cabelo deste deus brandamente absorveram o choque ameaçador a terra e Gangá pode escoar suavemente para a terra e fluir das montanhas, trazendo água, vida e purificação.
Simples não? Sem gestos teatrais, sem frases mirabolantes, sem encenação de farsas ou tentativas de demonstrar seu pode interior. “Deixe que esta torrente caia sobre minha cabeça.” Sem falsa modéstia. Simples assim.
Os verdadeiros dotados de habilidade natural não precisam enunciar sua capacidade. Suas obrar demonstram este dom. Há uma história, cuja autenticidade jamais me pareceu essencial descobrir, em que Michelangelo teria afirmado que não esculpia suas fabulosas estátuas. Só tirava os excessos
Ele escolhia cada bloco dizendo enxergar lá dentro, já pronta, a figura final e que ao redor desta figura estava um excesso transparente como gelo.
Bastava-lhe remover o gelo, para que de dentro do bloco, ele removesse sem esforço a estátua que ali jazia.
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.
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