“Perseguir só a felicidade é enganoso” - Entrevista com Martin Seligman
por LETÍCIA SORG
Psicólogo americano afirma que a felicidade está supervalorizada: ela é só um dos cinco caminhos para o bem-estar
Martin Seligman ficou conhecido como “doutor felicidade” depois de estudar, por mais de 20 anos, como é possível ser mais feliz e de lançar livros como Felicidade Autêntica (2002). Hoje, o psicólogo nega o título ao afirmar que, mais importante do que ser feliz é viver bem. Em seu novo livro, Flourish (Florescer), o especialista desenvolve a teoria do florescimento ou bem-estar, que diz que as emoções positivas que entendemos como felicidade são só uma das cinco maneiras de ter uma vida melhor. Nesta entrevista a ÉPOCA, Seligman, que é professor da Universidade da Pensilvânia e já presidiu a Associação Americana da Psicologia, fala sobre a busca por uma vida melhor. Florescer deve ser lançado em português pela editora Objetiva em outubro, quando o psicólogo vem ao Brasil para um evento a convite de Patrícia Carlos de Andrade, aluna de Seligman no mestrado em Psicologia Positiva Aplicada e presidente do Instituto Millenium.
QUEM É
Nascido em 1942 em Albany, Nova York, Martin Seligman tem sete filhos e quatro netos
O QUE FEZ
Ex-presidente da Associação Americana de Psicologia, é criador da psicologia positiva
O QUE PUBLICOU
Mais de 20 livros, entre eles Felicidade autêntica (2002) eFlorescer (2011)
ÉPOCA - Por que o senhor decidiu escrever Flourish?
Martin Seligman – Não decidi escrever esse livro. Eu estava com a minha família em Santorini, na Itália, e estava muito quente. Quente demais para mim. Então fiquei preso em uma sala com ar condicionado por sete dias, há dois verões. Decidi, então, escrever sobre como meus pensamentos haviam mudado desde o último livro, oito anos atrás. Depois de escrever as primeiras partes, descobri que aquilo poderia ser um novo livro. Havia escrito quase tudo só para mim mesmo antes de falar com minha agente e a editora. Foi um exercício para mim mesmo para ver o que eu pensava.
ÉPOCA - Nesse novo livro, o senhor relativiza a importância da felicidade, que era um conceito central em suas obras anteriores. O senhor está renegando seu próprio trabalho?
Seligman – Minha ciência sempre foi um trabalho em construção. Não penso que esteja negando, apenas corrigindo, ampliando, ajustando o que fiz antes. Renegar é uma palavras forte demais, já que fazer ciência é mudar de ideia.
ÉPOCA - Qual foi a principal mudança?
Seligman – Meu interesse inicial era saber o que as pessoas fazem por vontade própria, sem serem forçadas. O que pensava dez anos atrás era parecido com o que Aristóteles disse: que havia um único objetivo final e que qualquer coisa que as pessoas fizessem era para aumentar sua felicidade. Mas me convenci de que a felicidade é só um dos fatores, o fator “emoções positivas”. Muitas vezes tomamos decisões que trazem sentido para a vida, mas geram menos felicidade. Outras vezes escolhemos manter certas relações que não têm efeito nenhum na felicidade. Se você pensar num avião, não há um número único que diga como está aquele avião. É preciso olhar o painel todo, checar a altitude, a velocidade, o nível de combustível, a temperatura do óleo. Dependendo da sua missão, é preciso tomar conta de todo o painel. De maneira semelhante, os humanos são muito complicados e não dependem de um único fator. Há pelo menos cinco fatores que fazemos por nós mesmos, cinco caminhos possíveis, e não um único objetivo de vida. Deixar de entender a felicidade ou as emoções positivas como o objetivo final comum, como o único fator em que as pessoas baseiam suas escolhas, é a principal mudança. A teoria do florescimento é muito mais ampla do que a da felicidade.
ÉPOCA - Quais são os cinco fatores?
Seligman – São: emoções positivas, engajamento, relacionamentos positivos, propósito e realização [as iniciais dos cinco elementos em inglês formam o acrônimo Perma, usado por Seligman para resumir a teoria do florescimento].
ÉPOCA - Não é o caso de revermos o conceito que temos de felicidade, em vez de criar um novo conceito?
Seligman – É preciso restringir o conceito de felicidade. Sou a favor de risos, de bom humor, mas são só parte do que leva as pessoas a agir. Não precisamos repensar, mas restringir o alcance da felicidade. É comum, por exemplo, ouvir pais dizerem: “Só quero que meus filhos sejam felizes”. Isso é uma tolice. Quero que meus filhos sejam felizes, mas quero que eles gostem de fazer algo, que tenham bons relacionamentos, que encontrem um sentido e um propósito e que conquistem coisas. Perseguir só a felicidade é enganoso. Não que eu seja contra a carinha sorridente perpetuada por Hollywood, mas as emoções positivas são apenas um dos elementos.
ÉPOCA - Se a felicidade não é assim tão importante, por que alguns governos, como o do Reino Unido, estão começando a medi-la?
Seligman – Participo do debate atual do que deve ser medido pelo governo britânico. O primeiro-ministro David Cameron decidiu medir a felicidade, a satisfação com a vida, e se comprometer a mudar as políticas para aumentá-la. O que digo é que isso é enganoso e que precisamos medir cinco aspectos. Uma das razões para não medir apenas as emoções positivas é que esse tipo de questionário costuma ser influenciado mais fortemente por extrovertidos. As pessoas expansivas respondem duas vezes mais às emoções positivas do que as introvertidas. Se o governo brasileiro estivesse fazendo uma pesquisa sobre a poluição no Guarujá, por exemplo, e perguntasse quanto a população ficaria mais feliz se o problema fosse solucionado, iríamos notar uma distorção por causa dos extrovertidos. Porque os introvertidos não respondem emocionalmente. Mas, se o governo perguntasse o quão importante seria a despoluição, conseguiria uma resposta mais acurada de todos. Considerar apenas as emoções positivas superestima os extrovertidos. Há quem diga que os governos devem pensar em aumentar a felicidade da população. O que digo é que é preciso aumentar os cinco elementos. E geralmente eles estão em conflito. Pense em madre Teresa de Calcutá. Ela era solitária, mas a vida dela era cheia de sentido, e pôde florescer. Ela superou a falta de relações próximas ajudando quem mais precisava. Muitas vezes fazemos trocas, e é isso que os governos têm de fazer.
ÉPOCA - O seu livro mostra uma comparação de condições de florescimento em 23 países europeus. A Dinamarca, um país muito feliz, lidera o ranking. E a Rússia, um dos países europeus menos felizes, aparece em último. É possível que um país sem muita felicidade floresça?
Seligman – É possível, mas ainda não medimos esses cinco elementos separadamente. Em parte, escrevi o livro pensando quais são as questões certas para medir isso. O estudo que cito no livro é muito baseado nos dados sobre satisfação com a vida e isso explica os resultados.
ÉPOCA - O que os governos devem fazer para aumentar o fatores de florescimento?
Seligman – Se, por exemplo, os governos desejam aumentar o sentido e o engajamento dos cidadãos, devem investir em educação, em bibliotecas. Não há um receituário concreto para os governos, mas conselhos sobre que tipo de resultado eles devem medir. Antes, costumávamos medir apenas elementos como PIB e taxa de desemprego.
ÉPOCA - A personalidade é o fator mais importante para a felicidade. Como ela influencia nossa capacidade de florescer?
Seligman – Um dos meus principais interesses é a resiliência, a capacidade de recuperação quando algo de ruim acontece. Descobrimos que a personalidade ajuda a prever quem, diante de um desafio na vida, vai ficar deprimido ou crescer. Em geral, os otimistas são aqueles que superam as dificuldades. Otimistas pensam que os efeitos das dificuldades são temporários, e não permanentes. Acham que suas causas são específicas, delimitadas, não generalizadas. E pensam que a realidade é mutável. Não importam os fatores externos, mas quanto você considera que a dificuldade é mutável, temporária e restrita. O traço mais importante da personalidade é o otimismo. Os otimistas são mais esperançosos, resilientes, saudáveis e têm um desempenho melhor do que o esperado no trabalho, na escola, nas relações.
ÉPOCA - Quem é pessimista tem alguma chance de florescer?
Seligman – Essa é a principal vantagem de olhar para os cinco fatores em vez de só ver as emoções positivas. É possível aumentar a duração e a intensidade das emoções positivas usando algumas técnicas. Mas apenas dentro dos limites biológicos de quem você é. Porém, se acreditamos que há algo mais para florescer do que emoções positivas, há muitas maneiras de aumentar seu engajamento, de melhorar suas relações pessoais, de ter mais propósito e de melhorar a realização de seus objetivos. Com os cinco elementos, você pode ter uma vida muito melhor. Se são só emoções positivas, o máximo que podemos melhorar é 5 a 15%.
ÉPOCA - Como criar crianças para florescer?
Seligman – A maior parte do que sabemos até agora pode ser aplicado com crianças. Uma das técnicas, por exemplo, é a da resposta ativa e construtiva. Quando um de meus filhos conta algo bom, ensino os outros a não falar só “parabéns”, mas a realmente se engajar em reviver o momento de felicidade.
ÉPOCA - No seu livro, o senhor critica o uso de remédios para tratar casos leves de depressão. Por quê?
Seligman – Sou a favor do uso de medicamentos. Mas, analisando toda a literatura sobre anti-depressivos, descobrimos que eles melhoram os sintomas, em média, em 60 a 65%. Com o placebo, a melhora é de 40 a 50%. Basicamente, os anti-depressivos são úteis, mas limitados. Escrevi um livro quase 20 anos atrás, O que você pode mudar, e o que não pode, que foi uma revisão sobre todos os tratamentos para todos os transtornos mentais. O problema com os anti-depressivos é quem uma vez que você para de tomá-los, volta à estaca zero. Por isso, toda a medicação anti-depressiva é cosmética. Você não aprende nada. A terapia, embora tenha uma eficácia de até 65%, também não ensina técnicas para serem usadas em novas situações. Quando trabalhava como terapeuta, fazia um bom trabalho e conseguia eliminar sua raiva, sua tristeza, sua ansiedade, achava que teria um paciente feliz. Mas isso nunca aconteceu. Eu tinha uma pessoa vazia. Isso porque o conjunto de habilidades para florescer – construir boas relações, atingir objetivos, se manter interessado em uma atividade, buscar sentido – é completamente diferente do conjunto de habilidades para acabar com os problemas de humor. É preciso trabalhar com os elementos para florescer além de tratar a depressão.
ÉPOCA - Quem consegue florescer?
Seligman – Você pode ser deprimido e florescer; ter câncer, ser esquizofrênico e florescer. Essas condições atrapalham, mas não anulam a possibilidade de florescer. Quando comecei a trabalhar com psicologia, pensei que a correlação entre felicidade e depressão seria muito forte: que seria impossível alguém ser feliz e deprimido ao mesmo tempo. Mas mais de 20 estudos mostraram que sim, que é possível ter emoções positivas e algum transtorno mental. É como o jardim de rosas de que cuido. Passo uma boa parte do tempo arrancando as ervas daninhas. Elas são algo que apenas ficam no caminho das rosas, mas não impede que elas cresçam.
ÉPOCA - Há alguns estudos que criticam a ideia de ficar repetindo para si mesmo frases positivas. Dois canadenses no ano passado mostraram que, na verdade, a prática piorava o bem-estar das pessoas com auto-estima baixa.
Seligman – Ninguém nunca mostrou que repetir frases positivas, como “eu sou bonito”, “eu sou vencedor”, tem efeito. É preciso acreditar nessas coisas, não dizê-las. A terapia mostra que não adianta nada você dizer coisas do gênero, mas acreditar nelas. Esse estudo não é uma crítica à psicologia positiva, é só uma crítica à técnica de usar frases sem qualquer embasamento real para fazer os pacientes se sentirem melhor.
ÉPOCA - Qual a eficácia das técnicas da psicologia positiva?
Seligman – Sabemos a eficácia de cada técnica individualmente. Por exemplo, a visita de gratidão. Estatisticamente, se um grupo grande visitar uma pessoa para ler uma carta agradecendo por algo que melhorou a vida delas, é possível detectar um aumento da satisfação. Isso, em média. O que quer dizer que, para a maioria, funciona. Mas uma parcela razoável, não produz efeito nenhum e, para uma parte pequena, tem efeitos negativos. O mesmo acontece com os anti-depressivos, terapia e mesmo os anti-bióticos.
ÉPOCA - Os economistas estão estudando cada vez mais a felicidade. Qual é a relação entre dinheiro e emoções positivas?
Seligman – Houve um tempo em que o Brasil era muito mais pobre do que é hoje e acreditava-se que só aumentando a renda das pessoas já haveria um ganho de felicidade. E, para os pobres, que ganham abaixo do mínimo para sustentar as necessidades básicas, um aumento de renda se traduz em aumento de felicidade. Com o enriquecimento do país, o aumento da riqueza produz cada vez menos aumento de felicidade. E não sabemos qual é o efeito do aumento de renda nos outros elementos, como engajamento, sentido e relacionamentos pessoais.
ÉPOCA - Os economistas dizem também que mais importante do que a renda é ter mais dinheiro do que as pessoas próximas a você. O que o senhor acha disso?
Seligman – As pessoas que se balizam pela comparação social são menos satisfeitas com a vida do que aquelas que levam em conta valores individuais. Em geral, fazemos esse tipo de comparação quando pensamos em realizações, objetivos, mas não quando pensamos em sentido ou nas relações pessoais. Ao avaliar quão boas nossas relações, não as comparamos com as de outras pessoas.
ÉPOCA - O senhor está estudando o que chamou de crescimento pós-traumático em um trabalho para o Exército americano. O que seria isso?
Seligman – Temos mudado o foco nos últimos anos do estresse pós-traumático para o crescimento pós-traumático. Detectamos que quase 100% dos cadetes sabia do transtorno de estresse pós-traumático e quase ninguém sabia do crescimento. Essa falta de conhecimento é especialmente ruim. Porque, se um soldado vive uma situação muito difícil em combate e, no dia seguinte, começa a chorar, logo pensa em transtorno de estresse pós-traumático. E começa a pensar que pode estar sofrendo com ele, que está sucumbindo. Mas cair no choro depois uma adversidade séria é normal e não impede o crescimento. É importante que as pessoas saibam que a resposta mais comum a um trauma não é o transtorno, mas a resiliência, a recuperação. Um ano depois, em avaliação psicológica, as pessoas estão bem.
ÉPOCA - O que podemos aprender com o Exército?
Seligman – Há duas coisas que estamos medindo com os militares. A primeira é até que ponto o treinamento para a resiliência reduz a chance de suicídio e transtorno de estresse pós-traumático. A segunda é até que ponto esse mesmo treinamento melhora os aspectos positivos, como as promoções, as medalhas e o desempenho. Esses fatores também são importantes em empresas, em famílias. O que queremos saber é, se criamos resiliência, até que ponto conseguimos evitar suicídios e depressão? Até que ponto as pessoas mais resilientes não se tornam também mais produtivas no trabalho e saudáveis?
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.
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