Quando as mulheres viajam - Ivan Martins

Tenho um amigo que adora se gabar das farras que faz quando a mulher viaja. “Eu deito e rolo”, diz ele. “Deixo toalha molhada no sofá da sala, leio até as três da manhã e largo a latinha de cerveja em cima da televisão”. Praticamente um animal indomável... 

Houve um tempo, no passado recente, em que esse tipo de conduta seria quase reprovável. Homem que era homem tinha de aproveitar a ausência da mulher e mandar bala. O adultério não era apenas prerrogativa masculina, era norma de conduta, quase uma exigência. O sujeito que não traísse a mulher ao menos de vez em quando não era apenas bobo, era frouxo. 

Tanto quando eu percebo, essa mentalidade mudou, radicalmente. 

Hoje em dia, entre as pessoas com que eu convivo, o adultério público não tem espaço. O sujeito que engana a mulher ou a namorada à vista de todos tornou-se mal visto, inclusive pelos outros homens. O desrespeito público pela parceira virou coisa de mau gosto. Reflete falta de educação. Cabeça ruim. É como arrumar briga na casa de um amigo ou ficar bêbado na frente das crianças. Gente legal não age assim. Não se tolera. 
Isso não significa que pessoas não enganem ou sejam enganadas, mas sugere que a moral mudou. A traição foi empurrada para o terreno do privado, onde é praticada, de forma discreta, por homens e mulheres. O que antes era público, agora pertence apenas à intimidade do casal. Na verdade, de alguns casais, uma vez que muitos (a maioria?) vivem monogamias modernas, aquelas em que as duas partes, e não só as mulheres, se abstêm de transar fora do casamento ou da relação. Ao menos como regra. 

Acho que tem aí um progresso, um aumento da igualdade e do respeito humanos. 

Antes, era comum o sujeito descobrir, no enterro do pai, que tinha irmãos que não conhecia. Os homens levavam vidas duplas profundas, ramificadas, duradouras. Havia amantes de décadas no trabalho. Famílias paralelas cresciam à sombra da tolerância social e da auto-indulgência dos indivíduos. 

Mesmo depois dos anos 60, quando separar-se não era mais tabu, isso continuou acontecendo, agora com amparo de um discurso moderno, de liberdade para o prazer. Mas a prática não era exatamente moderna. O sujeito que largava a mulher em casa e saia comendo todo mundo na rua era um senhor de engenho com cueca Zorba. 

A diferença entre esse cenário e o que temos hoje é o poder das mulheres. Não só o óbvio poder econômico, que faz com que elas não precisem mais tolerar esse tipo de comportamento masculino. Há o respeito pela mulher, que é uma forma de poder ideológico. O sujeito sabe que não pode mais expor a companheira. Quem pensa que pode é burro ou antiquado. E arca com a rejeição social. O respeito pela parceira, que antes era virtude apenas dos bons casamentos, começa a se generalizar como componente da cultura urbana moderna. 
(Aliás, notem uma coisa: quanto melhor a relação do sujeito com a mãe dele, quanto maior o componente de admiração e respeito nessa relação, quanto mais altiva e ativa for a mãe, melhor o filho irá tratar as mulheres da vida dele, mais cuidado terá com elas. Respeito pelas mulheres se aprende em casa, como tantas outras coisas bacanas). 

Há duas ou três décadas, americanos e europeus se espantavam com a cara de pau dos maridos e namorados brasileiros, que agiam o tempo inteiro como se ninguém estivesse olhando. Hoje não é mais assim. Ficamos mais parecidos com eles. Do ponto de vista das mulheres, nos civilizamos. 

É por isso que o meu amigo pode fazer galhofa da sua fidelidade. Ou, como faz outro amigo meu, confessar o desamparo dele quando a mulher está longe. Esses caras não são bundões, como se diria na minha infância. São homens que tentam viver de acordo com os compromissos públicos e privados que assumiram. Quando isso não for mais possível, se rediscute o arranjo. Entre iguais. Enquanto isso, as mulheres podem viajar tranquilas. A não ser pelas toalhas no sofá da sala...
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

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