Preconceito, Discriminação e Racismo
Preste atenção! Você é preconceituoso? Aposto que dirá que em vários momentos sim, afinal quem não tem algum preconceito? Mas se eu perguntar se você é racista, aí o bicho vai pegar. Vamos ver se hoje a gente consegue falar de preconceito, discriminação e racismo? Pra começar, uma frase de Nicolau Maquiavel:
Os preconceitos tem mais raízes que os princípios.
Bem, vamos lá. Discutir preconceito, discriminação e racismo não é mole. Vamos começar com um pouco de história. As primeiras concepções racistas modernas surgiram na Espanha, em meados do século XV, em torno da questão dos judeus e dos muçulmanos. Até então os teólogos católicos limitavam-se a exigir a conversão ao cristianismo dos crentes destas regiões para que pudessem ser tolerados. Mas rapidamente colocaram a questão da "limpieza de sangre" (limpeza de sangue). Não basta converte-los, "limpando-lhes a alma", era necessário limpar-lhes também o sangue. Só que acabaram por chegar à conclusão que o sangue, uma vez infectado por uma daquelas religiões judaica ou muçulmana, permaneceria impuro para sempre. A religião determinava a raça e vice-versa.
No século XVI esta concepção foi estendida aos índios e negros. O beneditino espanhol Frei Prudêncio de Sandoval, que foi bispo de Pamplona, afirmou que nenhuma conversão ou cruzamento daquelas raças, era capaz de limpar a sua natureza inferior e impura. A única cura possível, naqueles casos, seria o extermínio. Entre Frei Sandoval e Adolf Hitler existe uma linha de continuidade de idéias e práticas racistas.
A Declaração dos Direitos do Homem, elaborada no século 18, consagra a idéia da igualdade de todos os seres Humanos, independente de raça, religião, nacionalidade, idade ou sexo. Diversos países desde então integraram estes princípios nas suas constituições, mas a verdade é que não retardaram em adotar medidas restritivas à sua aplicação.
A França, que simbolizou a Declaração de Direitos do Homem, não tardou logo em 1804, em decretar a reintrodução da escravatura nas colônias e ao longo de todo o século XIX em proteger o tráfico clandestino dos navios negreiros. Embora teoricamente todos os homens fossem considerados iguais, desta igualdade foram excluídos os negros, os índios e todas as "raças" consideradas "selvagens", "incivilizadas", "primitivas”
A razão que apresentavam era a seguinte: Eles possuíam hábitos de vida e uma cultura que os impossibilitava assumirem plenamente a condição de homens (cidadãos). Daí que nas respectivas colônias a população fosse hierarquizada em função da sua aproximação ao ideal de homem (cidadão). O melhor exemplo desta situação é dado pelos Estados Unidos: apenas nos anos 60 do século XX, acabaram em todos os seus etados as exceções legais à igualdade de direitos entre negros e brancos, o que não impediu que as desigualdades de tratamento continuassem.
E assim até os dias de hoje a questão do preconceito, discriminação e racismo está entre os principais temas em discussão no mundo. E no Brasil não poderia ser diferente...
Existe preconceito, discriminação e racismo no Brasil? Claro que sim, como em qualquer sociedade onde existam... pessoas. Mas o Brasil pode ser considerado um país preconceituoso, discriminador e racista? Bem, aí a coisa pega...
Olha só: Machado de Assis, reconhecido como nosso maior escritor, era negro. O Brasil tem nos atletas negros seus maiores expoentes. Tem neste momento como protagonistas da novela mais importante da rede de televisão mais importante, artistas negros.
O Brasil oficializou uma política de cotas raciais e tem uma lei que faz do racismo crime imprescritível e inafiançável. O Brasil tem um ministério para promover a igualdade racial. O Brasil aprovou o Estatuto da Igualdade Racial, tem metade da população miscigenada, tem personagens gays em papeis simpáticos nas novelas, tem as passeatas gays transformadas em atrações turísticas e com dinheiro público. O Brasil tem os participantes gays nos Big Brother Brasil sempre chegando à final (e até mesmo ganhando por eleição popular)... Cara, um país assim não pode ser tratado como um país preconceituoso, discriminador e racista.
O que existem são pessoas preconceituosas, discriminadoras e racistas. E para elas já existe a lei, que precisa ser utilizada.
Pois então... Em maio de 2011, o deputado Jair Bolsonaro, conhecido por suas opiniões que sempre revelaram intolerância, respondeu com um coice a uma pergunta da Preta Gil no programa CQC da rede Bandeirantes e causou uma enxurrada de protestos, com acusações de racismo e homofobia.
O deputado foi acusado de preconceituoso, discriminador e racista, e tomou porrada de todo lado. Bem feito. Ninguém mandou ser bocudo...
Mas que tal esclarecer a diferença entre discriminação, preconceito e racismo?
Muita gente acha que preconceito, discriminação e racismo são a mesma coisa. Não são.
Preconceito é a formação de um conceito anterior a um julgamento mais apurado da situação. Um preconceito não é necessariamente expresso, na maioria das vezes fica guardadinho dentro da gente, até como forma de manter o convívio em sociedade. Quando o preconceito é expressado, aí sim ele se transforma em discriminação...
Discriminação é o preconceito expressado, anunciado, praticado. A discriminação é odiosa e precisa ser combatida. E atenção: discriminação não é descriminação. Descriminar é absolver de crime, inocentar. Discriminar é diferenciar, distinguir. Portanto o correto é discriminação racial.
E o racismo? Racismo é a sustentação de idéias de segregação racial, de superioridade de uma raça sobre outra. É a crença segundo a qual as capacidades humanas são determinadas pela raça ou origem étnica. O racismo pode manifestar-se como discriminação, violência ou abuso verbal.
Hoje, o desenvolvimento e o acúmulo dos conhecimentos sobre a evolução da espécie humana, fornecidos principalmente pela paleoantropologia e pela genética, estabeleceram provas irrefutáveis de que não existem raças na espécie humana. Hoje em dia, o conceito de raça não é mais biológico, mas ideológico.
O que o deputado Bolsonaro fez foi manifestar sua opinião a respeito de um assunto. E ele tem o direito de dizer a bobagem que quiser, desde que assuma as conseqüências. É para isso que existem as leis. E para mim está muito claro, se o deputado cometeu algum crime, foi o de injúria por preconceito.
Não se deve confundir o crime de racismo que é previsto em lei, com o crime de injúria por preconceito. O crime de racismo é definido pela discriminação racial, implicando em segregação, impedimento de acesso, recusa de atendimento a alguém. Implica numa ação.
Já o crime de injúria é crime contra a honra utilizado elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem da vítima. Não é propriamente uma ação física, mas a utilização de palavras depreciativas referentes à raça, cor, religião ou origem, com o intuito de ofender a honra da pessoa. Portanto, crime de injúria qualificda é uma coisa. Racismo é outra. O bocudo do Bolsonaro não segregou, impediu ou recusou o atendimento a ninguém. Ele ofendeu a honra de algumas pessoas, sacou? Fale o que quiser. Mas assuma as conseqüências.
Bem, esse tema é loooongoooo e polêmico, com posições extremas de todos os lados. Não dá para ser esgotado em apenas um programa. Vou continuar a falar sempre de preconceito, discriminação e racismo no Café Brasil. Sem jamais achar que vivemos num paraíso, mas consciente de que evoluímos imensamente desde que abolimos a escravatura.
Essa discussão é fundamental se desejamos viver num país justo onde as pessoas respeitem as outras.
Tá claro pra você? Todo mundo tem preconceitos. Alguns o manifestam, transformando em discriminação. E isso é abominável. Mas o racismo é além de abominável.
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.
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