O que me provoca a tragédia de Realengo?

Do sofá, a gente liga a TV: tsunami no Japão com iminência de ecatombe nuclear, guerra na Líbia, Portugal quebra e pede ajuda ao FMI, aumento vertiginoso do preço do barril de petróleo, enfim. Com a habitual tibieza, boa parte dos brasileiros segue zapeando os canais de seu televisor em busca de distração. Em geral: futebol e novela. Mas nem tanto. A tragédia das crianças assassinadas covardemente por um desequilibrado numa escola pública do Rio de Janeiro, caso inédito em terras tupiniquins e algo impensável para um país que se considerava imune a esse tipo de violência, mexeu profundamente com nossas sensibilidades. Machucou mesmo. Muito.


Nunca ouvi tanto silêncio no famigerado "minuto de silêncio" ignorado pelas Organizadas em arenas lotadas. E não foi só em estádio carioca. Por todo o país, os "minutos de silêncio" se multiplicaram e, impressionantemente, calaram no coração de flamenguistas, botafoguenses, corintianos e palmeirenses. Para mim, algo percebido como bonito. Na verdade, incrível!

Não acho que haja sentido em acontecimentos trágicos como esse. Mas se é possível detectarmos algum, tem a ver com a reação da sociedade. O silêncio nas arenas é simbólico. O caso desdobrou várias discussões tanto entre intelectuais, nas universidades, como entre suburbanos, nos botecos da periferia: educação, bullying, amizades (ou ausência delas), novos arranjos familiares, a influência da religiosidade nas atitudes das pessoas, esquizofrenia, entre outras. De repente, todos se preocuparam em entender melhor desses temas que, por si, induzem ao cultivo da reflexão.


Alguém comentou comigo que, talvez infelizmente, esse era mais um caso para o sensacionalismo da mídia. Na maioria das vezes dou razão, mas dessa vez discordei. Uma atrocidade dessas precisa marcar bem a sociedade para que o típico brasileiro, telespectador irritantemente passivo, saia de sua zona de conforto e faça alguma coisa. É imprescindível que a sociedade se mobilize, mova sua inteligência, sua sensibilidade, sua solidariedade, sua fé, suas leis e tudo que estiver a seu alcance para que horrores como esse não voltem a acontecer. O problema é que sem se levantar do sofá, nada muda. Só tende a piorar.


Mais que suscitar uma comoção passageira e prender um pouco da atenção das pessoas, ao que parece, por essa tragédia nossa sensibilidade foi finalmente alcançada e nossa postura, comumente passiva, deu lugar a uma auspiciosa inquietação. Afinal de contas, criança é coisa sagrada. Criança não pode perder a vida assim, ora!


O canal parou. Mas dessa vez não foi o sensacionalismo da mídia que nos congelou.


Dessa vez, alguém levantou do sofá.


Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

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