No reino da implicidade

Lidamos diariamente com o implícito. Que também chamamos de tácito. Ou de subentendido. Vou dar um exemplo. Ouça esta frase: 


Marina Silva, apesar de mulher, é uma pessoa inteligente. 

Você sacou o preconceito implícito na frase? Se for mulher, sacou na hora... Dizer que Marina, apesar de mulher, é inteligente é dizer implicitamente que toda mulher é burra. 

Outro exemplo: A Ciça é palmeirense, mas é boa gente. 

Sacou o implícito? É que “palmeirense” normalmente não é boa gente... 

Ela tá louca da vida lá. Não esperneia não, vamo lá... 

Tá bom, tá bom, vou com outro exemplo: 

O Luciano é Corinthiano, mas às vezes erra. Viu só? O significado implícito é que Corinthiano sempre acerta... 

Usamos o implícito até sem perceber, muitas vezes parecendo preconceituosos. Mas tem gente que sabe usar o implícito muito bem para dar seus recados. Gente que sabe manipular a linguagem para dizer não parecendo que disse sim...

E no universo profissional então, somos os reis. Aliás, pela minha experiência de trabalho, ainda não encontrei nenhum povo tão “implicitador” como o Brasileiro. 
(...) quem estuda o assunto diz que de 100% do conhecimento que adquirimos ao longo da vida, 75% são implícitos, não estão escritos em nenhum lugar. A gente aprende é quebrando a cara, sendo enganado, tomando porrada, errando e acertando. E com o tempo vamos ficando craques em entender o significado implícito das coisas. 
No Brasil, parece que tudo é implícito.
Vivi uma experiência interessante numa de minhas reuniões nos Estados Unidos. Estávamos falando sobre propostas de trabalho, de processos, e a coordenadora nos ouvia atentamente, acho que para entender o sotaque. Mas ela era irritante numa coisa. A cada vez que terminávamos uma frase ou proposta, ela dizia: deixa ver se eu entendi. E repetia pausadamente tudo o que havíamos dito. Ou melhor, repetia o que havíamos dito do jeito que ela entendeu. E ao final ela perguntava: é isso? 

Aquilo era muito irritante. Minha primeira reação foi imaginar que a gringa lá era burra. Pô, a mulher não entendia o que a gente dizia? Mas ao final eu compreendi que agindo como ela agia, não ficavam dúvidas. Ela nos obrigava a deixar tudo muito claro. Não havia a menor possibilidade de deixar algo implícito, ela nos obrigava a explicitar o subentendido. Jamais conseguíamos sair de uma reunião com ela do jeito que saímos no Brasil: quando todo mundo dá a impressão que entendeu tudo, só pra sair fazendo – ou não fazendo – as coisas erradas... 

Aquela gringa sabia das coisas. Ela não queria se deixar trair pela linguagem e me ensinou uma lição importante: nunca deixe as coisas implícitas! 

Olha só: implicidade, a propriedade daquilo que é implícito, que está subentendido. 

Tome cuidado, muito cuidado com aquilo em que você acredita. A mensagem real pode estar implícita...

Muito bem... Olha só, eu não acho que a leitura dos jornais nos torna necessariamente estúpidos, mas que colabora, colabora... 

Qual é a saída, hein? 

Bem, desde 2003 eu lido com uma assunto que chamei de ALFABETIZAÇÃO PARA A MÍDIA. É um processo que eu já deveria ter transformado num produto, que prevê treinar as pessoas a entender o que é que a mídia está apresentando. Mas entender as mensagens subliminares, as implícitas. 

Só um detalhe. Quando eu digo aqui mídia, entende-se não só imprensa, mas cinema, televisão, propaganda, outdoors, tudo aquilo que traz mensagens às pessoas. Não é só imprensa. 

Veja só: tudo que é possível codificar em letras, desenhos, imagens e números, é possível transmitir através da mídia de forma explícita. Mas quem estuda o assunto diz que de 100% do conhecimento que adquirimos ao longo da vida, 75% são implícitos, não estão escritos em nenhum lugar. A gente aprende é quebrando a cara, sendo enganado, tomando porrada, errando e acertando. E com o tempo vamos ficando craques em entender o significado implícito das coisas. 

Por isso eu volto à velha moral da história: cara, se você não lê, não viaja, não arrisca, não pára para refletir sobre suas decisões, não dá papo pra quem não conhece, não dá opinião quando sabe de algo, você está perdendo oportunidades fantásticas de desenvolver a capacidade de compreender o implícito. 

E quem só entende o explícito, dá margem a ser governado por populistas [ou elitistas] (acréscimo meu). 

Sacou? 

O grande problema do implícito é que ele exige uma ação que anda em falta: pensar... E como é difícil lidar com essa questão do implícito num mundo que só sabe lidar com o explícito. 

Veja o caso deste podcast. É simples, com reflexões, humor, poesia e música popular brasileira diferente. E com um monte de significados e conteúdos implícitos que, para mim, é o que faz a diferença. E o Café Brasil vai ao ar pelo rádio em várias cidades. 

Quando decidi colocar o programa no ar em outras cidades, maiores ainda, fiz o que a lógica manda: fui procurar as grandes redes de rádio. Todas se interessaram pelo meu programa, desde que eu tivesse 40 mil reais por mês para pagar pela veiculação... Argumentei sobre o conteúdo. Senti que falava para as portas... 

E depois vieram as fórmulas. Mude o tom daqui. Corte ali. Bote outro tipo de música. Não fale disto que é proibido. Nem daquilo que “nosso público não aceita”... Aplicando as recomendações, meu programa ficaria igual às centenas de lixos que vão ao ar diariamente. Música idiota, texto idiota, apresentador à altura, falando para um público idiota. 

A maioria das emissoras de rádio e televisão não é parte da indústria da informação. É parte da indústria da propaganda. Conteúdo? Só como isca para publicidade. 

Para essas emissoras, jovens são idiotas que só se preocupam com festas, só ouvem gente gritando e música enlatada de péssima qualidade. Mulheres são donas de casa vazias, que precisam de receitas de bolo, fofoquinhas e um astrólogo fazendo adivinhações. Velhos só se interessam pelos “Bailes da Saudade”. E todo ouvinte e espectador é visto como alguém de quem tirar algum. 

Conteúdo? Só se for explícito. Assim ninguém precisa ter o trabalho de pensar...
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

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