Em vez de tudo por dinheiro, dinheiro por nada - Zé Rodrix
Ao contrario de Ziraldo e Jaguar, que se uniram ao imenso exército de outros tantos famosíssimos recebedores de indenizações por maus-tratos durante a ditadura militar, o Brasil nada me deve: quer eu queira, quer não, o Brasil é a minha terra natal, de cuja cultura e língua me alimentei integralmente, sem selecionar de onde ela vinha ou se o depositário dela estava momentaneamente do mesmo lado ou em lado oposto ao meu. Nunca fiz seleção de cor da pele, de estado natal, de partido político ou de crenca religiosa: tudo que for brasileiro sempre me interessa, sem reservas de qualquer espécie, e nisto estão tanto as benesses quanto as desgraças de que fomos herdeiros ou vítimas, nestes anos todos.
Teria, certamente, grande dificuldade de transformar em quantia monetária aquilo que o Brasil me deu, de bom e de ruim, e que forma a minha alma na sua totalidade, porque a alma brasileira nunca seleciona ingredientes para sê-lo, e eu certamente acabaria devendo mais que cobrando. Se durante muitos anos de escola pública fui tratado com a mais absoluta igualdade, recebendo deste Brasil o melhor que ele tinha a dar, formando minha capacidade de pensar por mim mesmo, houve tempos em que esta lição se tornou perigosa, antes como agora. Mas isso nao foi nem é um problema do Brasil: é e foi o problema de alguns, como de certa forma as benesses também o eram e são. A responsabilidade e a consciência de ser brasileiro estão acima das seitas ideológicas, religiosas, estéticas e políticas que os Perpetuadores de Dogmas sustentam, para sustentar seu próprio território de poder. O medo que eles sentem do novo ou do diferente não está numa possível ameaça à sua existência, mas sim na insuportável possibilidade da perda de status.
Minha decisão de ficar do lado oposto ao dos poderosos, em todos os momentos que isto se fez preciso, foi e é única e exclusivamente minha, por razões puramente pessoais, de consciência, e assim sendo eu devo arcar pessoalmente com a responsabilidade sobre ela, em todos os sentidos. Infelizmente, quando isso acontece, logo surge alguém capaz de reduzir à notas e moedas a perda ou ganho destes momentos, e em tempos assim tão paternalistas, como estes que vivemos, certamente há de surgir muita gente disposta a aceitar dinheiro em troca de dignidade, porque esta é a mais poderosa (ainda que pior) lição que o paternalismo ensina a ricos e a pobres. Pensam assim: "Se existe a chance de morder o dinheiro público, porque não fazê-lo? Afinal, de quem é este dinheiro? DE NINGUÉM!" Eis o grande equívoco: é de todos nós, inclusive dos que o recebem a troco de silêncio ou aprovação, porque todos pagamos a nossa parte nesta riqueza tão mal aplicada. Se fosse para ser processualista, jurisprudente, legalista, como tantos têm sido, poderia pensar em processar o governo brasileiro por, nos tempos da Ditadura Militar, ter-me censurado inumeras canções, o que sem sombra de duvida , além das perdas e danos à minha criatividade, causou um sério caso de lucros cessantes, como os gerentes de banco podem afirmar.
Por mais lógico que isso pareça ser, só me faz rir: era meu o trabalho de compor, assim como censurar era o dos censores, e se eles não tiveram consciência pessoal a guiá-los nestes momentos difíceis, o problema é só deles. Se eu aceitar recompensas tardias pelo que não era nada mais que minha obrigação enquanto artista e brasileiro, estarei me igualando a eles na falta de consciência. Não duvido no entanto que muitos, ao ler este texto, pensem: "Hmmm, que boa idéia...", e se ponham imediatamente a processar a União por filmes, canções ou peças censuradas nos anos de chumbo. Millôr, a respeito destes homens e mulheres hoje aquinhoados com imensas fortunas graças ao adjutório específico do advogado Greenhalg ( em 99 % dos casos...), desconfiou que suas atitudes de enfrentamento não tivessem base ideológica sólida, mas fossem apenas um investimento no próprio futuro, que se não rendeu frutos na esfera do poder(como por exemplo um simples cartão-corporativo) pelo menos pôde ser configurado em notas e cheques vultosos. Concordo com ele, apesar de ter conhecido e convivido com estes homens e mulheres durante tanto tempo, sem pressentir em nenhum momento o que eles viriam a ser no futuro hoje presente.
Se antes estivemos do mesmo lado, hoje não estamos mais: se antes éramos todos defensores da riqueza brasileira para todos, indiscriminadamente, hoje nos separamos terminantemente, porque eles se acham cobradores de uma dívida nacional, e eu não: eles se acham com direito a financiamento público de suas aventuras, e eu não: eles se consideram acima do Brasil, e eu não.Da mesma forma que não me envolvo com Leis de Incentivo, por não achar nem correto nem honesto usar o dinheiro de todos para financiar a aventura pessoal de alguns, muito menos a minha, nunca processaria a União por possíveis ou prováveis prejuízos de qualquer tipo que tivesse sofrido nas mãos da Ditadura militar. Meu pai, que sofreu tanto ou mais nas mãos da Ditadura de Vargas, também nunca pensou em ressarcimento financeiro, porque os dirigentes passam, mas o Brasil permanece, a despeito de nossa pouca crença nele. Se eu me considerasse negro antes de me considerar brasileiro, por exemplo, talvez também tivesse o impulso infantilóide de exigir cotas ou indenização pela escravidão de meus antepassados: o fato de ser biologicamente mais negro que branco, no entanto, não modifica a minha maneira de pensar porque cada um de nós contribuiu e contribui para a existência do Brasil com aquilo que quis, pôde e/ou conseguiu. Ser brasileiro está acima de raças, credos, ideologias, políticas e estéticas, mas nunca está acima do país que nos gerou.
O Brasil não é o Estado brasileiro, com seus inúmeros defeitos de base, assim como o Estado brasileiro nao é o governo que momentaneamente o domine. O Brasil está acima de todos nós, porque é em nossos ombros que se apóia, igualmente, ainda que alguns se agachem além do moralmente aceitável, só para não sentir o peso do Brasil em seus ombros, e é vergonhoso que, no meio de tanto trabalho feito por amor, ainda cobrem por ele.
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.
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