Você procrastina?

Agora não...
Alfredo Roberto Marins Júnior

Todo processo com um mínimo de organização, tem uma data de encerramento determinado e um prazo de realização. Aquele relatório para amanhã, o contrato que será entregue até sexta-feira, a prova daqui a duas semanas, a entrega da Declaração do Imposto de Renda nos próximos dois meses, a monografia no final do semestre.

Com antecedência você reúne os materiais que vai precisar: informações para o relatório, assinaturas do contrato, a matéria que será exigida na prova, os comprovantes de gastos médicos, todos os livros e fontes de pesquisa.

De posse de todas estas informações, você se senta diante do computador, liga a máquina e enquanto o sistema operacional inicia, uma voz interior, estilo o Grilo Falante do Pinóquio, o motiva a fazer o trabalho, afinal você tem tempo suficiente.

Assim que a inicialização termina, você vê os ícones do navegador da internet, de uma nova ferramenta de edição de imagens e de um jogo recém instalado. Aí, um despótico demiurgo malévolo sussurra ao seu ouvido: “Você tem tempo. Não faça o trabalho agora não...”

Você executa o navegador, só para verificar um e-mail. Depois do e-mail resolve ler uma notícia aqui, um verbete numa enciclopédia ali, as últimas atualizações dos seus amigos nas redes sociais, encontra uma ótima foto e a edita na nova ferramenta de imagens só para testar. 

De volta ao trabalho (ainda não começado) você se recorda que ainda tem muito tempo e que pode fazer uma pausa para jogar um pouco, mas o jogo é tão incrivelmente viciante que quando você se dá conta, algumas horas passaram-se e nada do trabalho. Mas agora é tarde, é preciso descansar.
No dia seguinte, outras distrações lhe tiram o foco e as semanas seguem seu caminhar constante. Este processo se repete diversas vezes e quando você percebe, não fez o que deveria.

Aí, o que deveria ter sido feito em semanas ou meses, acaba tendo que ser feito de um dia para o outro, às vezes madrugada à dentro, sobre forte ameaça de um relógio-bomba, do qual basta tirar os olhos para que o tempo acelere.

Há quem considere esta tensão um verdadeiro esporte radical intelectual, uma forma de viver perigosamente diante da burocracia cotidiana. Há quem chame esta sensação de pressão motivadora ou incentivo à fuga da chatice, desconhecendo o verdadeiro nome desta prática: procrastinação.

Pode ver no dicionário: “Ato de procrastinar, adiamento, delonga.”
E o cenário é pior do que parece. Uma pesquisa recentemente realizada pela Universidade DePaul, em Chicago comprovou que uma a cada cinco pessoas é procrastinadora de carteirinha. Ou seja, postergar as obrigações virou vício, para desespero de professores, gerentes e diretores.

A única divindade procrastinadora que conheço era Vishnu, também chamado de “o Preservador”. Junto de Brahma e Shiva, ele formava a trindade hindu. Enquanto os dois primeiros se alternavam entre recriar o Universo a cada manhã destruí-lo a cada noite, cabia a Vishnu a destruição final e irreversível. Na forma do espadachim Kalki, ele deveria vir montado a cavalo para por fim à existência.

Mas como ele é um deus benevolente, Vishnu decidiu que Kalki seria somente seu décimo avatar. Antes dele haveria outros nove que viriam ao mundo ensinar aos homens. Mas este assunto de avatar fica para outro artigo. O importante é que tomando esta decisão, Vishnu postergou o fim do universo dez vezes, deixando para depois o fim da existência e cuidando da manutenção da existência

Mas se a procrastinação de um deus é a condição para uma perene existência, a procrastinação humana é, segundo a pesquisa que mencionei anteriormente, marca de insegurança e autossabotagem. O procrastinador tende a postergar o que tem que realizar com medo de se expor demais, cometer erros e fracassar. 

Se você enquadrou-se na descrição da primeira parte do artigo, sugiro dividir suas tarefa em pequenas porções e acompanhar sua evolução, começando pela parte mais desagradável, aquela que tendemos deixar para o fim e não realizar porque parece insuportável.
Outra dica é recompensar-se (moderadamente) a cada tarefa cumprida, para não desestimular-se e tender à procrastinação.

Mas tem que ser agora, não depois.
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

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