O que são negócios sociais?

por Renan Dissenha Fagundes

Jovens empreendedores como Alessandra França, do Banco Pérola, querem juntar em uma mesma iniciativa eficiência financeira, lucro e busca por melhorias sociais

Érico Hiller
Alessandra França fundou o Banco Pérola aos 23 anos para ajudar jovens empreendores das classes C, D, E a conseguirem capital para financiar seus projetos

Todo mundo já jogou ou sabe como funciona a dança das cadeiras: há sempre um lugar a menos do que o número de jogadores e quando a música para e as pessoas se sentam alguém sobra e é excluído da brincadeira. Agora imagine o mundo como uma grande dança das cadeiras, só que em vez de um, faltam quatro bilhões de lugares. Quatro bilhões de pessoas - cerca de dois terços da população mundial - sobraram, não conseguiram sentar e foram excluídas da sociedade contemporânea. Zygmunt Bauman escreve sobre essa condição no livro Vidas desperdiçadas, publicado em 2004. Bauman chama as pessoas que sobraram de “refugo humano”. De acordo com o sociólogo polonês, esse é um efeito colateral "inescapável" do progresso econômico. Por isso a ideia de que o planeta está cheio: o que falta não é espaço, mas "formas e meios de subsistência" para seus habitantes. 

Essa massa de pessoas que sobraram é um dos principais problemas da nossa sociedade. A abordagem dos séculos passados era de mandar as pessoas que sobraram para lugares subdesenvolvidos e fingir que aqueles “lixões de refugo” não existiam. Com a globalização, entretanto, até mesmo os lugares mais atrasados começaram a sofrer pressões modernizantes: o mundo todo entrou na dança. Para o capitalismo do século 21, é necessário criar novos lugares para o maior número de pessoas possível. Por outro lado, não é novidade o discurso de que as classes sociais mais baixas têm um potencial econômico imenso. O desafio é tornar esse investimento atrativo e balancear rentabilidade e impacto social. Uma possível resposta para isso pode estar em algo conhecido como "negócio social". 

Um negócio social tem lucro mas busca ao mesmo tempo exercer um impacto positivo na sociedade: uma espécie de híbrido entre uma empresa capitalista e uma ONG. Para Marcio Jappe, diretor executivo da Artemisia, empresa que treina pessoas para desenvolver e criar novos modelos de negócios, a pergunta por trás dessas iniciativas é: como transformar problemas sociais em oportunidades de negócios que promovam desenvolvimento humano? Jappe afirma que não é preciso escolher entre ganhar dinheiro ou fazer a diferença no mundo, você pode ter os dois ao mesmo tempo. A ideia é juntar o melhor do segundo e do terceiro setor: a eficiência econômica das empresas capitalistas com os impactos sociais planejados de ONGs e outras associações civis. 


Um exemplo de negócio social brasileiro é o Banco Pérola. A microfinanciadora foi fundada em 2009 por Alessandra França, então com 23 anos, com ajuda da Artemisia. Trabalhando na coordenação de uma ONG, Alessandra percebeu que a falta de dinheiro e de crédito era um dos principais empecilhos para jovens empreendedores das classes mais baixas. Esse é exatamente o público-alvo do Pérola: pessoas de 18 a 35 anos das classes C, D e E. “Queremos ir à comunidade que a sociedade considera ferida, que quer botar para fora, e encontrar esses jovens talentos, as pérolas”, afirma. “Isso quebra o paradigma de que jovens não pagam e não têm comprometimento.” O Pérola emprestou mais de R$ 40 mil em 2010 e começa 2011 como correspondente de microcrédito da Caixa Econômica Federal. 

Para criar o Banco Pérola, Alessandra foi inspirada pela iniciativa mais famosa - e pioneira - dos negócios sociais: o banco popular Grameen, de Bangladesh, criado em 1976 por Muhammad Yunus. Com a ideia simples de emprestar dinheiro para as camadas mais baixas e marginalizadas da população (quase a totalidade de seu país), Yunus, que ganhou o Nobel da Paz em 2006, inventou o microcrédito. Hoje, o Grameen já emprestou mais de US$ 8 bilhões para os pobres e serve de referência para uma nova geração que começa a desenvolver a ideia do negócio social e encarar sustentabilidade como uma vantagem competitiva. Os exemplos são abundantes e se espalham pelo mundo - sistemas de irrigação baratos no Quênia, um hospital de olhos na Índia, uma associação de produtores de alimentos ecológicos em São Paulo, entre outros. 

O desenvolvimento desses negócios está em aberto e ainda não há muitos modelos consolidados. Nem mesmo o que fazer com os lucros é um consenso. No livro Criando um negócio social, em que conta o surgimento do Grameen, Yunus defende que nesse tipo de iniciativa - que ele considera importante para o futuro do capitalismo - os lucros devem ser totalmente reinvestidos no negócio. Vikram Akula, por outro lado, fundador do SKS Microfinance, maior banco de microcrédito da Índia, afirma que "não há conflito entre ambição social e econômica". O SKS está até na bolsa de valores: a empresa realizou um oferta pública de ações em 2010, o que resultou em críticas pesadas de Yunus, que diz não acreditar ser possível manter o foco no impacto social tendo que apresentar lucro para acionistas. 

Dentro dessa diversas abordagens, parece existir uma ideia original: algo diferente de empresas e atividades sem fins lucrativos clássicas, que se relaciona com uma atual cultura de criar coisas novas a partir da convergência de práticas conhecidas. Embora as últimas décadas tenham visto o aumento do número de ONGs e o fortalecimento da filantropia, e agora empresas cada vez mais usem termos como “sustentabilidade” e “responsabilidade social”, uma abordagem própria na direção em que caminham os negócios sociais é importante. Essa diferença pode ser essencial para o desenvolvimento da sociedade do século 21. O próximo passo é colocar cada vez mais lugares na dança das cadeiras do mundo.
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

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