E se eu for demitido?
O sujeito abriu a porta, entrou na sala dos professores lotada e deparou com o silêncio e a cara de velório da maioria, alguns cabisbaixos e outros de olhos arregalados. A reação foi quase instintiva: “– Calma gente, Anêmona, não morreu! Tá viva! Não precisa essa cara de susto”. Anêmona é a esposa do sujeito que adentrou o professoral recinto e que havia sido demitida no dia anterior. Vésperas de Natal, as notícias de demissão perturbaram o ambiente da escola e impactaram os professores. Pensavam: “– Logo Anêmona?! Ela que está aqui há tanto tempo?! Realmente, não adianta a gente se dedicar tanto nessa escola. Pobre Anêmona...”.
Essa cena é real. Foi-me compartilhada pelo próprio esposo da demitida quando desenvolvia normalmente seus trabalhos como fornecedor da escola. Ele me salientava a expressão pesada das pessoas, a cara de morte. Até aquele momento, confesso que me sentia mais pesaroso – como os professores – que com todo aquele espírito “bola pra frente” de meu interlocutor. Dele ainda ouvi algumas palavras a mais. Acontece que meu pensamento já mergulhava na mística do aprendizado que se plasmava em mim. O que me impactou mesmo foi a atitude positiva, a resiliência, o “bola pra frente” que ele me transmitia.
Demissões nunca serão fáceis. Nunca haverá palavra, ombro amigo ou consolo que seja capaz de dirimir a desilusão de uma experiência dessas, pelo menos para quem gosta do trabalho que desenvolve em sua empresa. Por mais competente, bem-relacionada e eficiente que seja a pessoa, nos dias de hoje não há lugares cativos. O mundo corporativo é cada vez mais fluído. De alto a baixo, de um lado a outro. Salvo poucas exceções, também não há profissional que se sustente a custa de pistolões, padrinhos ou politicagem. Tudo isso pode ter alguma sobrevida, mas sempre em situações circunstanciais, com prazo de validade, data e hora para terminar.
A “morte” que muitos experimentam na hora de uma demissão ou o “luto” de quem se “salvou” revela um problema sério: o projeto de vida das pessoas se confunde com seu emprego. Sim. O fato de cotidianamente passarmos um terço do dia no ambiente de trabalho é que provoca essa confusão: nossa vida é nosso emprego. Mas não é.
Todo começo de ano paro para me planejar, estabelecer meus objetivos, minhas metas, os meios que vou dispor (algo que deveria ser comum para qualquer pessoa a partir dos 8 anos de idade) e procuro responder algumas perguntas norteadoras. As primeiras reconhecem meu terreno interior, revisitam e relêem minhas experiências e aprendizados. Em seguida, procuro fazer emergir aquilo que me move, meus sonhos, que sentido quero oferecer às minhas ações. Finalmente, calculo o quanto de tempo, energia e dinheiro vou ter que investir para fazer daquilo uma realidade palpável, saborosa e próspera. Terminado esse exercício anual, consigo obter uma visão abrangente da minha vida e de tudo que me rodeia. Consigo discernir que o aspecto profissional é importante, mas apenas um em meio a tantos outros. Em suma, me habilito a considerar que a vida não acaba se, por ventura, o aspecto profissional precisar ser reestruturado. A desilusão poderá ser grande, claro. Algo a atrapalhar todo um planejamento. Mas nada que justifique mais que dois dias de choro e desabafo. Se no terceiro dia a página não estiver virada, é sinal de que havia razões mesmo para demissão.
Ficar triste, desiludido e até chocado com algumas demissões que aparecerem no caminho será sempre compreensível. Querer argumentar que “não darei o meu melhor no trabalho por não valer a pena nessa empresa”, é pobreza de espírito. Há uma essencial diferença entre aqueles que dão “o seu melhor” e aqueles que “fazem o possível” no seu ambiente de trabalho. Não tenho estatísticas, mas tendo a acreditar que os que se comportam sempre a partir daquilo que consideram ser seu melhor, são mais felizes não só no trabalho, mas na vida!
Graças a Deus, Anêmona não morreu.
Graças a Deus, Anêmona não morreu.
Na raça e na paz Dele,
J. Braga.
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