A guerra no Rio do ponto de vista de uma carioca


"Quero paz e autoridade", disse na televisão o morador do bairro da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Falou baixo, sem raiva e com confiança. No cenário de fogo e fumaça que tomou as ruas do Rio de Janeiro, com 95 veículos incendiados por bandidos ao longo de seis dias, por que o sentimento da população é de esperança, até de euforia, e não de desalento? Porque o grito de “basta” foi ouvido. Não se fecham mais os olhos à guerra, não se faz mais pacto com traficante, acabou o faz de conta. Há homens de bem no comando e eles não estão na tela do cinema.

Se os bandidos achavam que seus atentados terroristas iriam jogar os moradores do Rio contra o governo, o efeito foi o oposto. A reação fulminante do Estado, com o inédito apoio de blindados da Marinha e a união de várias forças de elite, provocou perplexidade nos lares, dentro e fora das favelas. A desconfiança que, durante décadas, contaminou a relação com os homens fardados foi substituída por uma torcida sincera e atos de solidariedade. A ajuda foi além da colaboração formal, os mais de 1.000 telefonemas protegidos pelo anonimato para o Disque Denúncia. Os homens de preto e cara pintada eram recebidos em seu trajeto com carinho, com acenos, como se os comboios estivessem liberando territórios aprisionados pelo medo. Moradores deixaram suas casas para oferecer água aos policiais. Aplaudiram de suas janelas a passagem dos motociclistas do Batalhão de Choque, os tanques, os comboios dos Fuzileiros Navais e da PM.

Pela primeira vez eu vi, na semana passada, no Rio, a mesma cena que me surpreendera na Colômbia. Em Bogotá e Medellín, tanto nos ex-territórios do tráfico quanto nas praças e pontos turísticos, testemunhei em fevereiro de 2007 como a presença maciça de policiais confortava os moradores, em vez de intimidá-los. Os soldados eram ídolos. A toda hora posavam sorrindo para fotos ao lado de crianças, pais, mães. Personificavam a paz, o fim do terror imposto nas ruas e estradas. A população de classe média e classe alta se submetia solícita a revistas, abrindo bolsas, mochilas e malas do carro. Porque havia a consciência da guerra. E todos sabiam que precisavam colaborar.
Se os bandidos achavam que seus atentados iriam jogar os moradores contra o governo, o efeito foi o oposto.



Antes dos últimos atentados, ouvi um intelectual carioca do bem queixar-se da expressão “pacificação” de favelas. Ele é a favor das UPPs, unidades formadas por jovens policiais treinados durante seis meses na Academia e que já ocuparam no Rio 12 favelas, antes dominadas por bandidos. “Por que dizem pacificar, e não simplesmente ocupar?”, perguntou esse amigo.

Nós, do asfalto e da elite, temos sido tão cegos quanto os ex-governos que abandonaram criminosamente esse Estado às moscas e aos ratos das valas e vielas. É fácil aproveitar os encantos de uma das cidades mais belas do mundo enquanto, nas favelas, a guerra corre solta há 40 anos. Quando dormi na Rocinha para uma reportagem, senti que eu era gringa, sim, mesmo que tentasse me misturar tomando uma cerveja no fim da tarde. Da mesa do bar, vi um rapaz bonito passar, com uma sacola de compras numa mão e uma metralhadora prateada na outra – como se legumes e armas tivessem o mesmo peso, a mesma utilidade. Era uma profusão de fuzis e pistolas o tempo todo, nas mãos de muitos menores de idade, apontados a esmo de farra. Se, em favelas, jornalistas como Tim Lopes são assados em pneus, como chamar a retomada desses territórios? “Pacificação” é a palavra certa. E a Rocinha continua pedindo ajuda. Segundo moradores, agora há treinamentos militares durante o dia, e o figurino dos bandidos adicionou granadas e bazucas.

Por tudo isso, o secretário de Segurança, Beltrame, que está no front, repete – mais do que qualquer antropólogo – que a batalha só começou. Diz que é preciso serenidade e firmeza, porque o Estado do Rio tem 1.020 favelas: “Repressão é necessária, mas sozinha não garante paz social”.

O Rio mudou para melhor por estar consciente de que existe uma guerra. E por, enfim – quem sabe –, ter conseguido convencer Brasília de que a ajuda federal não pode vir em espasmos. Não apenas por causa das Olimpíadas ou da Copa. Mas por uma questão de sobrevivência dessa cidade com vocação para a alegria. 
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

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