"Princípios editorais": Globo recusa transparência - Luis Nassif

Lugar de texto ficcional é na novela.

Ao tratar com o jornalismo, o ideal é se ater à realidade. Isso evitaria a elaboração pelas Organizações Globo de uma "carta de princípios" que a todo momento é desmentida pela prática. O assunto foi trazido aqui para a comunidade pelo blog de Adriano S. Ribeiro, de onde retirei as citações do texto.

O que se pede a um órgão de imprensa é que seja transparente nas intenções, nas práticas e na conduta. Isenção, objetividade são mitos que, mantidos pelos veículos, apenas servem para tentar enganar o leitor.

A Globo deve se assumir como empresa de jornalismo partidário, ideológico, e que, muitas vezes, pratica uma imprensa de opinião disfarçada de informação. Quando assim o fizer, passará a ter mais respeito até dos seus maiores críticos.

Com isso, perdeu a grande chance de contribuir para uma melhor relação entre a grande imprensa nacional e o público. 
Ora, muitos grandes jornais europeus explicitam suas posições, e nem por isso perdem sua credibilidade. Ao contrário, sua credibilidade e sua confiabilidade vêm justamente da transparência com que lidam com seus posicionamentos.

A afirmação de um diretor da empresa (ver texto no blog do Adriano) de que "o sucesso do grupo" está ligado ao atendimento a estes "princípios" não encontra base racional. Murdoch, aliás, um ex-parceiro das Organizações, faz sucesso sem qualquer princípio.

Negar que há posicionamentos (políticos, ideológicos, religiosos etc) é tentativa de engodo. E enganar consumidor é incorrer em falta de ética. Não fica bem para uma carta de princípios ferir o que deveria ser o seu maior compromisso.

Eis alguns "princípios" sobre a "informação de qualidade", segundo as Organizações. Numerei para melhor demonstrar as contradições com a prática.



Os atributos da informação de qualidade

1. ISENÇÃO

1.1. "O contraditório deve ser sempre acolhido".

Recentemente, numa reportagem sobre a falta de "indignação" dos brasileiros, a opinião do MST, embora ouvida, foi censurada na redação. Isso foi grave e afeta diretamente este "princípio".


1.2. "Não pode haver assuntos tabus".

É bem conhecida a dificuldade da Globo em lidar com temas como o racismo. Principalmente, depois da chegada ao poder do editor chefe Ali Kamel. A Globo evita ao máximo noticiar casos de racismo no Brasil que, sabe-se, são muitos. Com isso presta um desserviço á sociedade e ao debate público.

1.3. "O trabalho jornalístico é essencialmente coletivo, e errarão menos aqueles que ouvirem mais".

O caso do livro didático acusado de conter erros desmente este princípio. Os jornalistas da Globo mantiveram a "tese" sobre "os erros de português", e evitaram ouvir linguistas e educadores que realmente leram o livro e sabiam que a afirmação era falsa.

1.4. "Os jornalistas das Organizações Globo devem evitar situações que possam provocar dúvidas sobre o seu compromisso com a isenção".

Esse é o quesito mais questionado na Globo. Os jornalistas, principalmente, os de política e economia carregam a tinta do posicionamento do grupo sobre questões de suas áreas (jornalistas que talvez sejam obrigados, talvez compactuem).

A Globo não contraria em nenhum momento algumas de suas posições, como, por exemplo, no engajamento ao discurso neoliberal, cujas teses sempre foram tratadas como "postulados".

1.5. "Todo esforço deve ser feito para que o público possa diferenciar o que é publicado como comentário, como opinião, do que é publicado como notícia, como informação".

Outro erro. O Globo, por exemplo, é mister em elaborar manchetes com suas opiniões. O exemplo mais gritante foi a do dia da posse da presidenta Dilma: "“No adeus, Lula deixa para Dilma crise diplomática com a Itália”.

Em nenhum momento esta seria a informação mais importante. E a crise, fora alguns protestos isolados, nunca aconteceu realmente. Era pura aposta.

2. CORREÇÃO

2.1. "Erros devem ser corrigidos, sem subterfúgios e com destaque. Não há erro maior do que deixar os que ocorrem sem a devida correção" e que "os veículos das Organizações Globo têm obrigação de se fazer entender".

A insistência nos "erros de português" do livro didático mostram que este princípio não é seguido. A dificuldade de dar o direito de resposta na mesma seção, e nas mesmas dimensões da informação falsa também é outro exemplo. Se não for por decisão judicial, Globo mantém o princípio, inverso, de minimizar a divulgação do erro.



3. AGILIDADE

3.1. "a rapidez necessária ao trabalho jornalístico não se confunde com precipitação: nenhuma reportagem será publicada sem que esteja apurada dentro de parâmetros seguros de qualidade".

O apontamento das causas do maior acidente aéreo de 2007, com um avião da TAM no aeroporto de Congonhas foi um caso típico: em menos de 24 horas, a falta de ranhura na pista foi apontada como a causa maior do acidente. Questionado depois sobre a precipitação, o editor Ali Kamel saiu-se com uma pérola: "Estávamos testando hipóteses".

4. Lealdade com a notícia e sem sensacionalismo


4.1. "Fazer e manter boas fontes é um dever de todo jornalista. Como a isenção deve ser um objetivo permanente, é altamente recomendável que a relação com a fonte, por mais próxima que seja, não se transforme em relação de amizade. A lealdade do jornalista é com a notícia", diz o texto.

Ora. Fontes viciadas parecem ser uma regra na empresa. No caso, por exemplo, das cotas raciais em Universidades, a Globo se restringe às opiniões de "especialistas" como Demétrio Magnoli e a antropóloga Yvonne Maggie, os dois absolutamente contrários a qualquer iniciativa de ação afirmativa. Ou seja: são aqueles que a empresa espera que concordem e reafirmem a sua própria posição.

4.2. "Nenhum veículo das Organizações Globo fará uso de sensacionalismo, a deformação da realidade de modo a causar escândalo e explorar sentimentos e emoções com o objetivo de atrair uma audiência maior. O bom jornalismo é incompatível com tal prática. Algo distinto, e legítimo, é um jornalismo popular, mais coloquial, às vezes com um toque de humor, mas sem abrir mão de informar corretamente".

A capa do Extra na tragédia da Região Serrana que repetia a frase de uma criança vítima das enchentes (Papai, Papai, não me deixa morrer!) foi um exemplo de mau gosto e exploração da tragédia humana para manter vendagem. Nisso o jornal não foi diferente dos aproveitadores que subiram seus preços na região para faturar com o despero.

"A regra de ouro é divulgar tudo, na suposição de que a sociedade é adulta e tem o direito de ser informada. A crença de que os veículos jornalísticos, ao não fazerem restrições a temas, estimulam comportamentos desviantes é apenas isso: uma crença", diz.

O exemplo, já citado acima, dos "casos de racismo" ocultados pelos veículos das Organizações são uma prova de que este princípio é ignorado sistematicamente pelas duas maiores redações do grupo: a do Globo e a da TV, embora encontremos ótimos exemplos de cobertura desta questão no Extra.



5. Independente, apartidária e laica

É bem conhecida a tentativa dos veículos das Org. Globo em interferir em eleições, com uma cobertura partidária e engajada. Esse talvez seja o pior dos "princípios". A empresa se tornaria mais confiável, se assumisse suas posições políticas. Infelizmente, perdeu a chance de ser mais transparente com o público. O que seria uma demonstração de maturidade.


Da mesma forma, o preconceito em relação aos evangélicos já foi evidente. Ao perder audiência neste setor para a Record, a Globo tem sido menos enfática no modo negativo como lidava com, por exemplo, as manifestações dos evangélicos, seja em eventos, seja no tratamento das práticas litúrgicas.
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

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