Pernas

“Aceitar que engordar faz parte da natureza humana, tomando como referência o avanço natural da maturidade, que é normal engordar após os 30, é imputar-se fracassado.”

Esse texto é um prefácio do Luciano Pires para um livro sobre corredores. 

Para mim, um dispositivo de auto-motivação de que preciso perder peso. E minha esposa vai me acompanhar!
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Pernas. Normalmente me interesso pelas das mulheres. Poucas coisas são tão insinuantes, atraentes e plásticas como as pernas bem torneadas e cuidadas de uma mulher.

Mas as pernas de um jogador de futebol, na sequência mágica do drible, são tão hipnotizantes quanto as da coisa mais linda, mais cheia de graça, que vem e que passa no doce balanço a caminho do mar.

E as pernas do boxeador? Alguém esquece de Muhammad Ali e seu bailado técnico, enérgico e bem humorado?

E as pernas de Fred Astaire ou da passista da escola de samba, ao som da melodia, encantando e entusiasmando?

As pernas revestidas de jeans dos estudantes em passeata nos anos 60...As pernas finas dos campeões de natação, que parecem pouco trabalhar...As pernas com canelas grossas dos jogadores de basquete...As pernas ágeis dos grandes tenistas, alcançando bolas impossíveis... E mesmo as pernas de quem não as têm.

Pernas são parte de nossa vida. Nos levam e trazem, para coisas boas e ruins. Estão ali à nosso serviço e a gente se esquece delas com facilidade.

Mas quando faltam... Ou quando tremem... Percebemos como são importantes.

O Marcio Dederich escolheu falar de um esporte totalmente focado na função principal das pernas: levar o resto do corpo pelo mundo.

Confesso que correr nunca foi minha praia. Prefiro andar.

Uma vez, quando comecei a fazer academia, para tentar manter a forma física, um cartaz na parede chamava a atenção: NO PAIN, NO GAIN. Mais ou menos: SEM DOR, SEM GANHO. Era preciso malhar muito, suar a camisa, sentir as dores musculares para ver os resultados. Na moleza, nada de músculos.

Pois durante toda a vida tive milhares de exemplos que apenas vieram a comprovar essa tese.

Mas o melhor de todos aconteceu quando fiz minha caminhada ao Campo Base do Everest, no Nepal, em abril de 2001. São 100 quilômetros de pura exaustão. Subidas íngremes e descidas para acabar com qualquer joelho. Dores de cabeça. Falta de oxigênio. Frio abaixo de zero. Em determinados momentos, eu achei que não conseguiria prosseguir, tamanho sofrimento...

Mas sabe o que eu fazia nos momentos de desespero? Eu olhava para cima. E via montanhas com 8 mil metros de altura. Via que eu estava no Himalaia. A caminho do meu sonho. Essa constatação bastava para me dar forças que faltavam. No final da viagem, ao fazer um levantamento das coisas que vi e vivi, ficou claro que aquela minha experiência não poderia ter sido de graça. Não dá para simplesmente pegar um avião, descer no Campo Base do Everest e ver o que eu vi, viver o que vivi.

As maravilhas que me impactaram para o resto da vida, têm um custo: o sofrimento da caminhada. É preciso sofrer tudo aquilo para vivenciar minha experiência. Sem sacrifício, não se conquista a montanha.

No pain, no gain.

Um dos momentos de maior descoberta foi quando encontrei meu ritmo da caminhada.
Foi quando percebi que ao colocar as pernas em ritmo com a respiração, com os braços, com o coração, o corpo todo se transformava numa máquina de andar.

O corpo todo se transformava em pernas.

Quando minha viagem terminou, ficou aquela sensação gostosa do dever cumprido. Um prazer saboreado ao recordar cada passo, rever cada foto. Uma sensação como aquela dor muscular gostosa depois da atividade física. A dor que nos dá a certeza de que estamos progredindo. A dor que é vencida conforme vamos ficando melhores.

Foram as pernas que me levaram a realizar o sonho de minha vida.

Imaginei que os corredores devem passar por um processo semelhante ao que eu passei no Everest. Uma espécie de transe da corrida. A elevação do corpo e do espírito a um estado superior, focado num objetivo, numa tarefa, alheio ao mundo que o cerca...

E quando leio as crônicas do Marcio, percebo como esses sonhos podem ser simples ou complexos. Podem estar na cidade, no campo. Podem ser curtos ou longos. Podem ser sofridos ou curtidos. Podem ser possíveis ou (quase) impossíveis.

E percebo também que a chegada é só o momento de finalizar uma grande curtição: a caminhada. Ou corrida. É nela que está o prazer. É caminhando ou correndo que construímos uma ponte para o momento máximo de chegar onde nos propusemos a chegar. Às vezes dói. Às vezes não chegamos lá. Às vezes desistimos.

E o Marcio mostra que, amando o que fazemos, dores, sofrimentos, e dificuldades são apenas detalhes. Detalhes a serem vencidos pela força de vontade. No caso dele, pelas pernas.

Pernas, pernas, pernas, pra quê te quero? Ora, Marcio, para me levar pelos meus sonhos, pela vida, pelo mundo. Só não precisei delas para viajar pelas páginas de seu livro...Mas... Será que não? Em vários momentos me vi correndo ao lado do Marcio. E lá estavam elas, na minha imaginação. As pernas.

Viva as pernas. Principalmente as das moças.
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Na raça e na paz Dele,
J. Braga.

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